O historiador Joel Rufino dos Santos foi múltiplo. Escritor premiado, autor de mais de 50 livros e especialista em cultura afro-brasileira, ele também atuou como jogador do Fútbol Club Bolívar, na Bolívia. Foi logo após o golpe de 1964, quando teve que abandonar a carreira acadêmica e passar três anos no exílio, devido à militância no Partido Comunista Brasileiro.
Outro lado instigante de Rufino se revela nas cartas que escreveu ao filho pequeno, entre 1972 e 1974, período em que esteve encarcerado no Presídio do Hipódromo, em São Paulo. A correspondência, quase sempre ilustrada com desenhos em cores, começou quando Rufino estava com 31 anos e o garoto, aos 8 anos, morava com a mãe no Rio de Janeiro.
Rufino pedia à mulher, Teresa, a Dedé, que lesse suas cartas à noite, antes de o filho dormir. Em dezembro de 1973, ele escreveu um detalhado relato sobre o nascimento de Cristo, com direito até a uma indiazinha pastoreando ovelhas: “De repente, a lã que cobria o corpo delas ficou mais amarela que o trigo, o pasto que elas comiam ficou mais verde que o mar”.
Da terra da indiazinha, Rufino passa para a África, onde um pássaro “incrível de belo” joga suas mais lindas penas sobre escravos. Ao final, diz: “Nelsinho. Contam muitas histórias sobre o menino Jesus. Eu acredito em algumas, em outras não. Até hoje eu gosto de imaginar as coisas que dizem que ele fez e inventar outras, que eu gostaria que ele tivesse feito.”
Poucas semanas depois, o historiador despacha para o filho outra carta ilustrada, com uma mensagem otimista: “O que está escrito, em chinês, ao lado, é: Feliz 1974. Nelson e Dedé. Esperam aí, por mim, que breve estarei com vocês, no nosso Rio de Janeiro querido, de São Sebastião, o Santo guerreiro, do Botafogo e da Mangueira. Acredita?”
As cartas de Joel Rufino dos Santos (que faleceu em setembro de 2015) para o filho podem ser vistas na exposição Carta Aberta – Correspondências na Prisão, que tem entrada gratuita e ficará aberta ao público até 20 de março de 2017 no Memorial da Resistência, no Largo General Osório, 66, na Luz, em São Paulo (SP).
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