Operação Trinta Horas. O nome faz referência ao tempo previsto para que quatro colunas do Exército brasileiro avançassem sobre o Uruguai e ocupassem a capital, Montevidéu. Sob o comando do general Breno Borges Fortes, as tropas entraram em prontidão em novembro de 1971 para partir das cidades gaúchas de Bagé, Livramento, Chuí e Uruguaiana.
Como teria pela frente uma região muito acidentada, a coluna de Uruguaiana seguiria só até a região de Paso de los Toros, no Uruguai. Lá, se uniria às tropas procedentes de Livramento pela Ruta 5, uma estrada que atravessa o país de norte a sul. Traçado em detalhes, o plano de intervenção militar começou a tomar forma ainda no primeiro semestre de 1971.
A meta era impedir que o Uruguai tivesse um governo de esquerda, assim como ocorria na época com o Chile de Salvador Allende. No Cone Sul, o vizinho do Brasil atravessava uma crise sem precedentes. De um lado, havia forte mobilização sindical e estudantil, além do movimento guerrilheiro Tupamaro. De outro, grupos paramilitares de extrema direita.
O presidente Jorge Pacheco Areco, do Partido Colorado, cujo governo autoritário censurou órgãos de imprensa como o jornal dirigido por Eduardo Galeano, enfrentava instabilidades. Com as eleições presidenciais marcadas para 28 de novembro e chances concretas de vitória da coalizão de esquerda Frente Ampla, Pacheco Areco pediu ajuda à ditadura brasileira para garantir a vitória de seu candidato, Juan María Bordaberry.
Do lado de cá da fronteira, o general-presidente Emílio Garrastazu Médici não pestanejou. Mandou o III Exército, com sede em Porto Alegre, estar preparado para invadir se a Frente Ampla ganhasse as eleições. O plano, conhecido como Operação Trinta Horas no comando e nos setores de inteligência, chegou aos quartéis como Operação Charrua.
O coronel Dickson M. Grael, pai dos velejadores Lars e Torben Grael, servia em Uruguaiana quando foi encarregado de estudar um documento com diretrizes da operação. Era começo de 1971. Pouco depois, Grael acompanhou o adido militar dos Estados Unidos no Brasil, general Arthur Moura, um americano com nome brasileiro, em viagem pelo rio Uruguai.
Durante a navegação, o americano observou e fotografou um acampamento de militantes da Frente Ampla. “É evidente que essa visita do General Moura fazia parte do acompanhamento exercido pelo Governo dos Estados Unidos em relação à conturbada situação no Uruguai e aos preparativos militares brasileiros dela decorrentes”, escreveu Grael no livro Aventura, Corrupção e Terrorismo, publicado em 1985.
Outra testemunha da operação é o advogado Marco Pollo Giordani. Ele se lembra de ter ficado aquartelado por duas semanas, em Porto Alegre: “O general inspecionou a tropa e avisou que a ofensiva era iminente. Se os comunistas ganhassem, nós iríamos invadir, tomar conta daquilo lá. Ele chamou de Operação Charrua”, contou Giordani a esta colunista.
“Tiramos toda a munição do paiol. Para nós, seria um passeio. Quando acabou a eleição, todo mundo ficou muito triste. Os comunistas perderam e a operação foi desativada”, lamentou Giordani. Mais cinco anos e ele virou agente do DOI-CODI, o órgão de repressão da ditadura. Atuou infiltrado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Já no Uruguai, Bordaberry, o candidato de Areco que venceu a Frente Ampla, não demorou a derrotar os tupamaros. Na sequência, endureceu ainda mais o regime e liderou um golpe de Estado que impôs ao país uma ditadura até 1985. Não escapou incólume. Bordaberry morreu em 2011, aos 83 anos, em prisão domiciliar, condenado pela morte e desaparecimento de opositores políticos.
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