Uma primeira-dama culta, talentosa e irreverente

casamento
Nair de Teffé se casa com o presidente Hermes da Fonseca, em 1913, em Petrópolis

Nair de Teffé caprichou na noite de 26 de outubro de 1914, último ano do mandato de seu marido, o marechal Hermes da Fonseca, oitavo presidente do Brasil. Durante recepção para o corpo diplomático no Palácio do Catete, ela cantou e tocou ao violão o maxixe Corta-Jaca, de Chiquinha Gonzaga. Foi um escândalo. Considerada “indecente” pela Igreja, a música tinha sido barrada nos salões da elite. Jurista renomado, o senador Rui Barbosa não perdoou a ousadia.

 “Aqueles que deviam dar ao País o exemplo das maneiras mais distintas e de costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social”, estrebuchou Rui Barbosa no Senado. “Mas o Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, o que vem a ser ele, senhor presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba”.

A crítica resvalou, é claro, na figura do presidente. Nair, por sua vez, continuou empenhada em valorizar a cultura popular brasileira. E, na sequência, tratou de fazer uma caricatura de Rui Barbosa. Filha do barão de Teffé, Nair foi educada na Europa e começou a desenhar ainda criança. Aos nove anos, fez um de seus primeiros traçados satíricos, realçando ao máximo o nariz de uma freira do convento onde estudava.

Rui Barbosa, por Nair de Teffé
Rui Barbosa, por Nair de Teffé

Culta e talentosa, Nair era exímia pianista, falava vários idiomas, dominava os detalhes da etiqueta, mas destacava-se mesmo pela irreverência. Em uma época em que as mulheres costumavam se casar antes dos 20 anos, ela avisava desde a adolescência que só se casaria aos 30. Acabou antecipando a marca em três anos, para se casar com o marechal Hermes da Fonseca, 31 anos mais velho, que tinha ficado viúvo um ano antes.

Quando chegou ao Catete, em dezembro de 1913, já era conhecida pelos desenhos, que assinava com o anagrama Rian (Nair ao contrário). Quatro anos antes, tinha publicado a primeira caricatura, na revista Fon-Fon. Depois, seus desenhos não pararam de fazer sucesso, tanto em outras revistas brasileiras (O Malho, Careta, Binóculo) quanto em publicações francesas (Le Rire, Fémina, Excelsior). Ela adorava desenhar artistas, como a atriz francesa Jeanne Bourgeois, a Mistinguett, e também os políticos.

Jeanne
Jeanne Bourgeois, a Mistinguett, por Nair de Teffé

Uma coletânea com 27 desenhos da primeira-dama que sacudiu o Palácio do Catete encontra-se hoje no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Entre eles está a caricatura de dois presidentes da República. Um é Washington Luís, que foi deposto pela Revolução de 1930, retratado quando se dirigia ao exílio. O outro é Jânio Quadros, que renunciou em 1961. Nair, que ficou viúva aos 37 anos, viveu até os 95 anos, sempre irreverente.

Washington Luís, por Nair de Teffé
Washington Luís, por Nair de Teffé


Comentários

2 respostas para “Uma primeira-dama culta, talentosa e irreverente”

  1. Enquanto a outra é apenas uma caça-dotes que tira foto pelada com o smartphone.

  2. Avatar de Leonardo Augusto N. Dos Santos
    Leonardo Augusto N. Dos Santos

    culta, talentosa e irreverente, um belo contraponto ao “bela, recatada e do lar”…

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