David Hare e os dilemas do teatro

Foto: Walter Craveiro/Flip
Foto: Walter Craveiro/Flip

“Nada como ser muito inteligente” disse a espectadora ao final da mesa com David Hare. A mente brilhante do dramaturgo e sua típica ironia britânica conquistaram o público na Flip. Autor de 30 peças e vários roteiros de filmes, incluindo os de As Horas e O Leitor, Hare se diz pertencente à tradição State of the Nation do teatro na terra de Shakespeare. É o teatro menos psicológico, mais voltado às questões do momento histórico que vivemos e suas implicações sócio-políticas e culturais. Cita Bernard Shaw, Sean O’Casey e John Osborne como outros praticantes do gênero.

Em sua peça mais famosa, The Absence of War, de 1993, acompanhou as reuniões de preparação da campanha trabalhista para a disputa do cargo de primeiro ministro. O partido perdeu e abriu espaço anos de continuação do tatcherismo, “que ainda está aí, em espírito”.  Para ele, que é um socialista crítico, a esquerda se perdeu, “não há mais uma classe que todo mundo compreenda e que inspire lealdade para a causa trabalhista.” O candidato Neil Kinnock assistiu à peça e comentou, em carta: “Foram as três horas mais incômodas da minha vida. Detestei, porque tudo o que está ali é verdade!”

Sua primeira participação como ator surgiu num monólogo que escreveu para si mesmo, Via Dolorosa, cujo processo de preparação colocou num diário. Rindo de si mesmo, Hare disse que Paul Newman, após ver uma apresentação da peça em Nova York, foi falar com ele e disse: “Você estava bem. Era como ver uma criança de três anos se levantar numa festa.” E revelou que, ao ser convidado para escrever o roteiro de Guerra nas Estrelas 4, pensou: “Ah, meu deus, será que vou ter que ver Guerra nas Estrelas 1, 2 e 3?”

Sobre estilo, que considera “implicitamente poético”, disse ser “um mistério, e se você aceitar a disciplina do estilo, vai se sentir livre.” Citou Virginia Woolf, que gastava dez vezes mais tempo pensando no ritmo de seus escritos do que no conteúdo, ao que que completou: “ritmo é conteúdo.” Revelou que foi Louis Malle quem o ensinou a escrever roteiro para cinema, depois de três tentativas que considera frustradas. Na preparação de Perdas e Danos, todos os dias Malle lhe pedia para resumir a história, até que cada detalhe estive claro. Depois de dez dias tudo passou a fazer sentido, e segundo ele, “eu tinha pronta a corda onde pendurar os diálogos”. Hare ainda elogiou Kenneth Tynan e Pauline Kael, explicando que “para ser um bom crítico tem de lidar bem com a língua e isso deixa a maioria das pessoas de fora.”


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