Beije Minha Lápide é mais um texto brilhante de Jô Bilac, com direção de Bel Garcia, estrelado por Marco Nanini. Trata-se de uma peça que conta a história de Bala, um homem preso por ter destruído o vidro instalado para proteger o túmulo do escritor Oscar Wilde, no cemitério Père-Lachaise, de Paris. Ele é um intelectual transgressor (isso deveria ser um pleonasmo), fã indignado com o vidro que separa o túmulo de Wilde e seus fãs, que habitualmente beijavam a lápide. Na prisão, ele manipula o guarda que o vigia e mantém um jogo de liberdade com a advogada que pretende defendê-lo, inicialmente contra sua vontade. Ela diz que fora encaminhada pelo Estado, mas, na verdade, faz por pressão daquela com quem mantém uma relação amorosa conturbada, justamente a filha de Bala, que não a vê há tempos e, ironicamente, trabalha como guia turística do cemitério onde está Wilde.
A cela é um cubo de vidro, paradoxo daquele que quebrou em nome da liberdade e da vida. Cenografia fantástica. E Marco Nanini, como de praxe, interpreta o personagem de maneira magnífica. Não é sua obra-prima no teatro, mas, certamente, trata-se de um trabalho sofisticado. Desempenho tão bom que poderia até ofuscar a performance do elenco formado por Carolina Pismel, Julia Marini e Paulo Verlings. Mas todos conseguem acompanhar o protagonista com vigor. Beije Minha Lápide estreou no Rio de Janeiro em 2014 e deve (ou deveria), depois de São Paulo, ir a outras cidades para que o público de todo o Brasil tenha a oportunidade de ver Marco Nanini nesse espetáculo, de fato, genial.
Outro grande ator que está na cidade é Ary Fontoura, em cartaz com O Comediante. Já com mais de 80 anos, ele interpreta sua antítese: um artista decadente, esquecido pelo público, mas que continua fantasiando ser, ainda, uma grande estrela… Ao contrário da personagem que interpreta, Ary Fontoura é ovacionado pelo público por seu desempenho bastante dramático e, ao mesmo tempo, bem-humorado. Além disso, ele canta, e bem, dança, e muito bem, e emociona, mais ainda. Só faltou sapatear.
A peça lhe parece uma grande homenagem, já que foi o último trabalho dirigido por José Wilker que, visivelmente, quis reverenciá-lo. Com a morte de Wilker, em abril do ano passado, pouco antes da estreia, o diretor Anderson Cunha teve a responsabilidade de assumir a direção e dar continuidade ao trabalho. Com texto escrito pelo dramaturgo alemão Joseph Meyer, Ary Fontoura contracena com Ângela Rebello, Gustavo Arthiddoro e Carol Loback, que também têm a difícil missão de tentar acompanhar, à altura, essa estrela que comemora 50 anos de carreira com extraordinária competência.
É sensacional ver um ator de tanto sucesso com o público interpretando justamente seu falso-duplo. E reside aí a provocação mais instigante de O Comediante, que aborda esses duelos permanentes entre passado e futuro, a tentativa de passar verniz em uma biografia opaca e as homenagens de mentira, e entre amar a si mesmo e o amor verdadeiro do público. Ao fim da apresentação, que questiona tanto essas vaidades, ficamos imaginando quais seriam os duelos reais de Ary Fontoura. Talvez devesse ser, ao menos um deles, o de levar essa peça para seu público, real, por todo o País.
BEIJE MINHA LÁPIDE
Até 1o de março, sextas e sábados (21 horas) e domingos (18 horas). SESC Consolação – Teatro Anchieta – Rua Dr. Vila Nova, 245 – Centro – 3234-3000. Ingressos: R$ 15 a R$ 50
O COMEDIANTE
Até 15 de março, às sextas (21h30), sábados (21 horas) e domingos (19 horas). Teatro Raul Cortez – Rua Dr. Plínio Barreto, 285 – Centro – 3254-1631. Ingressos: R$ 70 (sextas) e R$ 80 (sábados e domingos)
* Evaristo Martins de Azevedo é crítico de teatro; conselheiro da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte; e, jurado do Prêmio Shell de Teatro.
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