Dez dias depois dos atentados, a vida em Paris voltou (quase) ao normal. As sirenes continuam atravessando a cidade, e em cada lugar em que se entra, um vigia revista sua bolsa com um sorriso meio sem jeito, porque cara de terrorista você não tem. Bruxelas ainda está em estado de alerta, e em Bamako 30 pessoas morreram pelas mesmas mãos sujas que as vitimas daqui. Mas se o trauma do vizinho prolonga o nosso, a dor não é a mesma.
O frio do mês de novembro finalmente deu as caras. A chuva embaçou as vidraças dos cafés, e as calçadas que andaram cheias depois da tragédia como forma de resistência, agora se esvaziaram. Os programas de rádio, os teatros, os escritores e artistas fincam a bandeira da cultura no terreno da cidade, conjurando o discernimento como escudo contra a barbárie. As forças militares estão em ação na Síria e no Iraque. O Presidente Hollande está se encontrando com os Grandes deste mundo para organizar uma coalizão contra Daech. Outras formas de não capitulação se organizam. Não queremos mostrar que estamos com medo, não queremos sentir medo, queremos viver como antes e não dar a vitória ao terror.
Mas quem está realmente disposto a cavoucar, a refletir sobre a causa profunda dos atos ignóbeis da noite do dia 13? É tão confortável colocar os terroristas no campo do Diabo, separados de nós, do outro lado da fronteira, como se pudéssemos extirpar um tumor sem atingir toda a capilaridade do tecido vivo, carnal, mundial.
Daech recruta (na França, na Rússia) entre jovens delinquentes e propõe-lhes uma justificativa para seus atos “ímpios” como sendo de rebeldia contra uma sociedade pervertida (a nossa). Entrando para o jihad, eles se tornam heróis e encontram um (falso) sentido para suas vidas. O fenômeno é extremamente complexo, mas em todo caso sintomático de uma crise absoluta do sistema em que vivemos, que agora aponta para o vazio em que se encontra.
Nesta semana que precede o início da COP21, a mídia e os espíritos estão tomados pela guerra. As capas das revistas e dos jornais só falam do terror, da reação militar, das medidas de segurança, mostrando músculos, arreganhando dentes, babando a saliva da vingança. E do Planeta? Ninguém quer saber?
Na capa do jornal Libération de terça (24), sobre uma grande foto de fiéis muçulmanos virados de costas, uma fina faixa de cor azul anuncia um suplemento especial sobre o clima. Folheando este caderno, nesga anil em um céu de chumbo, encontro retratos de gente que resolveu lutar pela sobrevivência das espécies, dos povos autóctones, pela igualdade climática entre o Norte e o Sul do planeta, pelo dever de esperança. Gente que entendeu que a crise é antes de mais nada uma busca de mudança profunda, de transformação global, de deslocamento da visão que o homem tem de si mesmo e de seu lugar na Terra. Não é pouca coisa !
E que mudança é esta? Citando Jade Lindgaard, jovem jornalista de Mediapart e autora de diversos ensaios, trata-se da necessidade de uma “desprivatização de si e do mundo. Acabar com o dogma do espaço privado inalienável. Abrir espaço público na nossa intimidade. Pensar em formas de socialização de si. Transportar-se de um mundo individual a um mundo compartilhado”. Um mundo consciente de que tudo é interligado, de que hoje não podemos mais viver sem as noções de LIMITE, de RESPEITO, de que temos grandes desafios pela frente. Um novo SENTIDO para a vida pode e deve ser descoberto, para que ilumine o vazio em que se enraíza o obscurantismo.
Cuidar disto me parece ser o remédio para a obsessão quanto ao Terrorismo. Sem querer é claro minimizar o fenômeno, ele parece estar roubando a atenção ao processo positivo que está em marcha.
Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 51 anos, 31 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.
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