Edições anarquistas

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Edições livres sempre foram perigosas para governos de qualquer tendência. O príncipe Piotr Kropotkin (1842-1921) tinha recursos suficientes para uma vida tranquila de militar e geógrafo no Império Russo. Viajou à Manchúria, aos países nórdicos, ao leste europeu e deu contribuições ao mapeamento de alguns territórios. Mas, cada vez mais tocado pela miséria de seu povo, aderiu aos ideais anarquistas.

Quando publicou na Inglaterra, em 1887, o livro Nas Prisões Russas e Francesas, a primeira edição foi comprada pelo governo russo, que destruiu a maioria dos exemplares. Kropotkin só voltou à Rússia depois da Revolução de Fevereiro de 1917. Reaproximou-se dos anarquistas locais e teve contatos cordiais com Lênin. Mas diante da evolução da ditadura bolchevique, passou a criticar o governo soviético. Seu funeral foi considerado a última grande manifestação de anarquistas na Rússia, antes de a maioria ser eliminada.

O príncipe Piotr Kropotkin (1842-1921). Foto: Reprodução/thessaloniki.platypus1917.org
O príncipe Piotr Kropotkin (1842-1921). Foto: Reprodução/thessaloniki.platypus1917.org

É verdade que a memória de Kropotkin não foi logo apagada. No momento do funeral, o governo permitiu a edição de dois folhetos em sua memória, que deviam passar pela censura prévia. Lênin ofereceu à família um funeral oficial, que foi recusado. Ética, seu livro inacabado, foi publicado na União Soviética em 1922, e suas Memórias, em 1933. Mas como a edição original era de 1899, não podia ofender qualquer princípio do governo soviético. Com o passar do tempo, a maioria de seus livros caiu no esquecimento.

Curioso é que ao imaginar o comunismo anarquista, Kropotkin idealizava uma comunidade de livros em que autores, leitores e impressores dividiam igualmente todas as fases do processo de produção.

O escritor deixaria de se alienar e em vez de pagar três ou quatro francos por dia a um operário, deveria entender o que é a impressão. Ao desaparecer a diferença entre trabalho manual e intelectual, o escritor que antes não se importava em saber se o compositor se envenenava com pó de chumbo  aprenderia a arte de manejar o componedor e o prazer de ver a obra sair de uma máquina rotativa. E com ele também seus admiradores e admiradoras.

“Certos livros serão talvez menos volumosos, acrescentava Kropotkin, mas imprimir-se-ão menos páginas para dizer mais.” É possível que se publicasse menos nomenclatura, mas o que seria impresso seria mais lido e atingiria um público muito maior. Isso foi escrito em 1892 na obra La Conquête du Pain, traduzida no Brasil por Cesar Falcão (A Conquista do Pão, 1953).

Kropotkin termina com um vaticínio: “De mais, a arte de imprimir, que tem progredido pouco depois de Gutenberg, está ainda na infância. Precisa-se ainda de duas horas para compor em letras móveis o que se escreve em dez minutos e procuram-se processos de multiplicar o pensamento. Hão de se achar”.

*Professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo.


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