De repente o mundo se deu conta de que tem mais petróleo e menos água do que necessita. O preço do óleo despenca em todo o planeta e o da água ameaça o orçamento familiar. A situação amplia as incertezas econômicas e é um desafio para o planejamento de todos nós em qualquer prazo de tempo que se estabeleça. Se envelhecer bem depende de programação, a crise hídrica acrescenta grande dificuldade para os idosos – sobretudo os do futuro. Ela também coloca em outro patamar os estudos sobre população e meio ambiente que, por muito tempo, estacionaram em culpar o crescimento populacional pelo aumento da pressão sobre os recursos naturais. Os pesquisadores dedicados ao tema começam, agora, a sofisticar seus estudos para detectar a relação entre envelhecimento da população e questão ambiental.
Em outras palavras, como a mudança climática ameaça a velhice sustentável, já que o mundo envelhece? Em todo o planeta, os eventos extremos têm afetado o segmento mais vulnerável. Só para citar alguns exemplos de como as pessoas idosas estão sendo as maiores vítimas do aquecimento global, lembro uma reportagem de um telejornal brasileiro, há poucos dias, em que uma senhora de seus quase 70 anos, na cidade de Itu, em São Paulo, reclamava de pagar R$ 120,00 por semana pela água de um carro pipa dividido com os vizinhos. Como mais de 70% dos beneficiários da Previdência Social brasileira recebem até dois salários mínimos, o peso dessa “despesa extra” é enorme.
Mencionei a questão da água em meu livro “Viver Muito” (Ed. Leya, 2010), como um empecilho para o planejamento financeiro. O idoso do futuro terá despesas que nunca tiveram seus pais e muito menos seus avós. Esse é o aspecto individual da questão. No âmbito social, três perguntas inquietam: uma sociedade mais envelhecida pode ser mais ou menos sustentável ambientalmente? O indivíduo demandaria mais ou menos recursos naturais à medida que envelhece? Como uma economia da longevidade poderia mitigar esses efeitos?
No livro “Novo regime demográfico – uma nova relação entre população e desenvolvimento?”, editado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sob a coordenação de Ana Amélia Camarano, dois capítulos analisam a relação envelhecimento e meio ambiente. Como se sabe, o envelhecimento populacional (maior percentual de idosos na população) decorre de um aumento na expectativa de vida concomitante a uma baixa taxa de fecundidade (número de filhos por mulher). O resultado é uma redução da população a longo prazo e o seu envelhecimento. Os ecologistas sempre defenderam, portanto, a baixa fecundidade a despeito do efeito colateral do envelhecimento com a justificativa de que uma população menor pouparia os recursos naturais do planeta. O pesquisador José Féres, autor de um dos capítulos, começa seu texto destacando que o menor ritmo de crescimento populacional do Brasil nas últimas décadas em nada ajudou a tornar mais amena a degradação ambiental. Pelo contrário.
Ao longo de décadas de análise, ficou claro que o impacto está relacionado com os padrões de consumo e de produção. Lembro um dado divulgado pelo Banco Mundial. De 2000 para 2010, a população dos países em desenvolvimento cresceu de 83% para 85% da população mundial, enquanto o consumo saltou de 18% para 30%. A exemplo do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Féres recupera outros argumentos além da quantidade, como a urbanização, mudança no perfil de domicílios e questiona: De que modo estes novos hábitos da vida contemporânea alteram o consumo? Um dos principais pontos levantados pelo autor é a moradia individual e tem relação direta com o envelhecimento populacional.
Oposto ao senso comum, apenas 1% da população idosa brasileira vive em asilos, a maior parte vive em arranjos familiares diversos, mas o número de idosos vivendo sozinhos tem aumentado significativamente. Entre 1992 e 2012, de acordo com a Pnad, triplicou, passando de 1,1 milhão para 3,7 milhões, um crescimento de 215%. “Domicílios são caracterizados por economias de escala. Aqueles com maior número de habitantes tendem a apresentar um menor consumo per capita” escreve Féres. O número médio de pessoas por domicílio no país caiu de 5,3 pessoas em 1970 para 3,3 em 2010. “Isso se deve à queda da fecundidade e ao fato de o número de domicílios ter crescido mais rápido que o ritmo de crescimento da população”, afirma, apesar de sublinhar várias ressalvas técnicas que deve fazer todo bom cientista.
Até agora, a municipalidade em todo o país está muito preocupada com o transporte individual. Qualquer biker olha de cara feia para um motorista sozinho em seu veículo. Mas ele pode causar um impacto maior ao efeito estufa se morar sozinho. Até porque o problema, no futuro, talvez não seja mais o petróleo. Do ponto de vista de uma economia da longevidade, o estímulo à co-habitação ou condomínios, residências comuns, ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos), centros-dias que sempre garantam a autonomia da pessoa idosa será uma política ambiental tão importante quanto qualquer outra. A economia da longevidade deve estar preocupada em devolver escala aos domicílios brasileiros.
Se o poder público ainda patina nesta direção, muitos empreendedores estão atentos para este filão de negócios. O custo da água e da energia vai empurrar o idoso do futuro para o domicílio compartilhado. Esta é uma tendência mundial. Talvez a crise hídrica atual possa apressá-la. Nos próximos posts, voltarei a analisar essa intersecção entre meio ambiente, envelhecimento populacional, políticas públicas e negócios. Convido-os a me acompanhar aqui na Brasileiros, pois nossa jornada de reflexões sobre a Economia da Longevidade está só começando.
*Jorge Félix é especialista em economia da longevidade, jornalista, professor e mestre em Economia Política pela PUC-SP. É autor do livro “Viver Muito” (Ed. Leya). www.economiadalongevidade.com.br.
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