Coluna_header_ topo Auro Danny Lecher
Bela história com jeito de final feliz.

Ela ainda está acontecendo, mas já deixa atrás de si um rastro que merece ser celebrado.

Trata-se do período de algumas semanas, no final deste ano, em que a cidade vem se transformando numa escola.

Dentro dos seus muros, com a ocupação da comunidade implicada na educação dos jovens: estudantes, familiares, artistas, chefes de cozinha, educadores, cidadãos;  e fora deles, nos cruzamentos centrais da cidade, bloqueando o trânsito com carteiras escolares e outros apetrechos da sala de aula. Temos visto e vamos nos implicando, todos, pelas cenas das manifestações de um lado e da repressão de outro, nas televisões e redes sociais.

Foto:  André Tambucci/ Fotos Públicas (09/12/2015)
Foto: André Tambucci/ Fotos Públicas (09/12/2015)

Sim, há os oportunistas. Vejo três tipos:  primeiro, aqueles que aproveitam o movimento para perpetuarem suas guerras partidárias; o segundo tipo são os blocos pretos, jovens, mas não tão jovens como os protagonistas das ocupações nas escolas, que saem de suas casas trazendo rojões, máscaras e conflitos edipianos. Eles não mostram suas caras, e atrapalham, mas não apagam a beleza do processo de educação para a cidadania que estamos testemunhando.  O terceiro tipo de oportunismo é o daquela senhora, que preferiu não se identificar (mas mostrou sua cara), no fogo cruzado entre estudantes, black blocs e polícia, que se recusava a atender aos apelos dos funcionários das lojas para que entrasse e se protegesse. Em êxtase ela gritava: “Não! Me deixem! Estou revivendo minha juventude!”. Ela trouxe mais lirismo para a história.

A porrada é anti-pedagógica, mas não apenas ela. Não foi respeitado o primeiro item do manual de qualquer prática consequente de educação, uma espécie de the book is on the table: a construção de um entendimento possível entre as diferentes visões sobre um determinado fenômeno. Não se deve menosprezar a dimensão criativa, subjetiva e pedagógica contida no processo de discussão, denso e intenso, até se chegar ao melhor real possível, que geralmente não coincide com o que fora considerado ideal, pelas razões frias e distantes do gabinete de um governo.

Desde as manifestações de 2013 o monstro adormecido acordou e, parece,  vem sofrendo de insônia. Os estudantes do ensino médio, que hoje têm entre 15 e 18 anos, eram, à época, muito jovens para qualquer protagonismo, mas que em 2015, na crise atual do sistema de ensino, têm a oportunidade de gritar sua indignação e colocar seus pontos de vista. Eles estão mais realistas do que os adultos. Talvez por não terem escutado as promessas dos partidos. Também porque são jovens, curiosos, criativos e vêm usufruindo dos ensinamentos que a vida lhes oferece. A melhor fábrica de conhecimento que existe. Escola e cidade se uniram. Os rugidos do monstro têm feito as orelhas avermelhadas dos políticos melhorarem sua acuidade auditiva.

Os políticos profissionais, assim como os cientistas, têm uma vantagem: eles são pragmáticos e tendem a se adaptar à realidade dos fatos, eleitorais para uns, científicos para outros. Fato é que o governador voltou atrás e suspendeu o plano de reestruturação do sistema público de ensino do Estado de São Paulo.

Sairemos deste processo maiores do que entramos. Vitória da educação.

Antes do fim de ano poderíamos ouvir do governo do Estado algo do tipo: “Peço desculpas, como governador e médico anestesista, a todos os paulistas pelas dores que não pude evitar e que vimos sentindo nestas últimas semanas, tanto pela infame violência com que a Polícia Militar vinha reprimindo o movimento, quanto pela forma descuidada com que tratamos o assunto da reestruturação do sistema de ensino”. Do governo Federal poderíamos ouvir: “Como presidenta, declaro o meu respeito ao movimento estudantil de São Paulo, que merece ser considerado como movimento símbolo da nossa pátria educadora. Determinei também ao Ministro da Educação que implemente, o mais rápido possível, a Bolsa Terapia, um tratamento psicológico financiado pelo governo para todo cidadão que desejar, iniciando-se pelos jovens mascarados dos black blocs”. E do prefeito, como reconhecido gestor em educação, seriam bem vindas ações que sinalizassem aliança e parceria.

Finalizando, devemos aplaudir, em pé, os estudantes de ensino médio do sistema público do Estado de São Paulo, como agradecimento por terem tomado para si a posse da escola, e assim, através deles, também cada um de nós.

A escola é nossa.

*Psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, psicoterapeuta e coordenador do Projeto Quixote aurolescher@gmail.com psicoterapeuta e coordenador do Projeto Quixote   aurolescher@gmail.com


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