Foto: Ingimage
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Aprendemos com a Divina Comédia, de Dante Alighieri, que o pior dos pecados é a Soberba, porque deixa o terreno escorregadio para os outros seis. E, aprendemos com a vida, que simetricamente oposta a ela, mais do que a Humildade, está a Ética, entendida como a virtude da justa mistura entre os seres humanos. Este texto, escrito a várias mãos (7 mais precisamente, ou 14, se pensarmos no teclado e não na caneta), tenta colocar alguns pingos nos is.

Há 14 bilhōes de anos o universo iniciou seu processo de expansão, gerando as partículas elementares da matéria: os primeiros prótons, elétrons e nêutrons e, com eles, os primeiros núcleos atômicos. Os átomos foram se atraindo pela força da gravidade e essas nuvens cósmicas formaram as primeiras estrelas, que viveram pouco, vitimadas pela sua enorme massa. Com o seu colapso foram pulverizados no espaço elementos químicos mais pesados: carbono, oxigênio, ferro.

Dez bilhões de anos depois nasceu o Sistema Solar que teve uma infância bastante violenta: cometas e asteróides bombardeando as superfícies dos planetas e uma irradiação solar letal. Mas em um deles, por não estar nem muito longe nem muito perto do Sol, a água pode manter-se líquida, além de estar circundado por uma camada protetora, a atmosfera. Aos poucos, os elementos químicos foram se combinando formando moléculas complexas. Delas surgiram as bactérias, os corais, os coqueiros, o tiranossauro, a orquídea, a girafa, o pernilongo, a pernilonga, o homem, a mulher.

Esta brevíssima história do universo, Hai-Kai épico, serve-nos num duplo sentido:

Primeiro, o mais importante: o fato de as coisas, as plantas e os bichos termos todos uma origem comum, somos todos farinha do mesmo saco cósmico. Segundo: a necessidade de termos um contorno da nossa identidade que nos proteja e que, ao mesmo tempo, nos diferencie do mundo – a atmosfera que é a pele da terra, a membrana citoplasmática das células ou as fronteiras entre os países –  tentando cumprir o seu destino: a comunicação entre o que está dentro e o que está fora, o Eu e o Outro.

Vivemos as transformações próprias do nosso tempo. Tais transformações geram frequentemente situações de crise que podem acarretar, para alguns, a interrupção de um processo, para outros, a possibilidade de crescimento. O desfecho de uma crise depende não apenas dos fatores externos, mas também da capacidade que uma estrutura tem de adaptação a uma realidade em transformação.

Conceber uma estrutura capaz de suportar crises implica considerar sua capacidade de se organizar, de suportar a desorganização para poder reorganizar-se novamente num equilíbrio dinâmico de forças, muitas vezes antagônicas, geralmente conflitantes. Assim, ao invés de apontarmos para uma organização estruturada rigidamente existindo por si em oposição ao mundo, devemos concebê-la como uma estrutura flexível, inserida em uma realidade complexa, mutante, produtora de perturbações, e capaz de assimilar tais perturbações.

Incluir a complexidade não é pensar de forma complicada, mas diante dos desafios que a realidade lança ao nosso espírito, dialogar com um mundo complexo abrindo-nos para ele.

Um organismo tem maior chance de sobreviver se puder estabelecer um sistema de cooperação e troca com seu meio, aquele que se porta somente de maneira competitiva, predatória, ao contrário, tem menor chance de sobrevivência. Podemos aproveitar esse exemplo vindo da biologia para transpô-lo ao funcionamento dos grupos: indivíduos que estabelecem trocas, entre si e com o meio, numa relação de cooperação, têm maior chance de obterem sucesso em suas tarefas.

Lidar com a complexidade implica entrar em contato com a diferença e a diversidade. O contato com novas culturas, novas visões de mundo traz uma ampliação do universo, sem que isto represente a perda da identidade, da unidade. Ao contrário, estas trocas são enriquecedoras para a identidade, pois permitem o aumento do repertório de ações, produzindo relações humanas mais francas, empáticas e sinérgicas.

Ora, do que se ocupa a Ética se não o viver bem a vida humana? A maior vantagem que podemos obter de nossos semelhantes não é a posse de mais coisas ou o domínio sobre mais pessoas tratadas como coisas, mas a cumplicidade e o afeto de mais seres livres. Ou seja, ampliação e o reforço de minha humanidade. Onde há troca, também há reconhecimento de que de certo modo pertencemos a quem está diante de nós e quem está diante de nós também nos pertence. Ter consciência de minha humanidade consiste em dar-me conta de que, apesar de todas as diferenças muito reais entre os indivíduos, também estou de certo modo dentro de cada um de meus semelhantes.

O mais profundo é a pele.

* Marcelo Gleiser, Fernando Silveira, Paulo Balthazar, Humberto Maturana, Fernando Savater e Paul Verlaine. Este colunista assina junto, 2 ou 3 pitacos aqui e ali, mas bom mesmo foi ser tecelão.

* * *

Inspirado pelo mestre Luis Fernando Veríssimo, que vira e mexe enfia poesia em suas colunas, eu inauguro aqui também a seção dedicada aos versos, e logo de cara, em inglês. A dele chama “poesia numa hora dessas?”, a minha, poesia desnecessária.

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