Mario Prata entrevista Ruy Barbosa, “o maior baiano de todos os tempos”

Ruy Barbosa. Foto: Museu Imperial
Ruy Barbosa. Foto: Museu Imperial

Em 2013 o jornal A Tarde, de Salvador, Bahia, fez uma ampla pesquisa: qual o maior baiano de todos os tempos? Deu ele, talvez o mais baixo: Ruy Barbosa, levando junto para o pódio Jorge Amado e Castro Alves. Deixaram para trás a Irmã Dulce, Anísio Teixeira, Glauber Rocha, Caetano, Tom Zé, Bobô e Obina, e mesmo Antonio Carlos Magalhães.

Pouco mais de um metro e meio, pesava 48 quilos. Pequeno e cabeçudo, empolgou primeiro a Bahia, depois o Brasil. E o mundo. Polímata, jurista, deputado estadual e federal, senador, diplomata, escritor, filólogo, tradutor, orador, ministro, embaixador e chato. Sua oração aos moços não pode ser mais maçante e enfadonha, se é que algum formando da São Francisco prestou atenção.

Era um gênio, o nosso personagem. Aos 5 anos, seu professor vaticinou: “Este menino é o maior talento que já vi. Em 15 dias aprendeu análise gramatical, a distinguir orações e a conjugar todos os verbos regulares”. Com 18 anos teve – pela primeira vez – o que chamavam de “incômodo cerebral”. No ano seguinte abrigou na sua casa nada menos do que Castro Alves que, segundo o próprio Ruy, sofria também com o incômodo mental por causa do rompimento com Engénia Câmara, a atriz lusitana, que o passou para trás.

Em 1870 formou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo e teve outro “incômodo mental”. Vai saber…

Seu primeiro amor, de nome Brasília, não quis saber dele. Sofreu. Era 71. Em 76, aos 27 anos e já notável jornalista, casou-se com a baiana Maria Augusta Viana Bandeira e viveram muito felizes. Em 81, com 32 anos, promoveu a Reforma Geral do Ensino. Uma semana antes de a princesa Isabel assinar a libertação dos escravos, ele dizia: “A grande transformação aproxima-se do seu tempo”. Acertou mais uma vez.

Quando há a proclamação da República, o deposto d. Pedro II afirma: “Nas trevas que caíram sobre o Brasil, a única luz que alumia, no fundo da cave, é o talento de Ruy Barbosa”. Alguns anos depois em Paris, Ruy Barbosa diria para o exilado ex-imperador: “Majestade, me perdoe, eu não sabia que a República era isso”. No que D. Pedro II deve ter pensado: “Não quis me ouvir, agora toma!”.

Depois de passar por vários cargos políticos, vai até Haia, na Holanda e barbariza. Se consagra perguntando aos da plateia da Convenção da Haia ou Conferência da Haia que discutia uma série de acordos multilaterais entres diversas nações do mundo:

– Em que língua quereis que eu fale?

Não disse que o cara era chato? Precisava? Um mais chato ainda, sugeriu:

– Latim.

E ele fez sua palestra em latim. Nesta entrevista vamos saber se isso é mesmo verdade e muitas outras coisas. Inclusive o que acha da nossa República hoje. Afinal, ele foi candidato e derrotado em três eleições para presidente da República do Brasil. Quem sabe na quarta, como o Lula, não viria a ser eleito e mudado – para melhor ou pior – os rumos do nosso País?

Vamos deixar o Google de lado e conversar com ele na casa que viveu durante muitos anos, no Rio de Janeiro, na Fundação Casa de Ruy Barbosa, em Botafogo, na rua São Clemente, 134.

Juro que ele me perguntou em latim assim que entrou onde fora seu antigo escritório:

– Quid vis loqui lingua, iuvenis? (Em que lingua quereis que eu fale, meu jovem?)

E eu, muito atrevido, por ter estudado latim no Colégio Salesiano, em Lins, durante nove anos, não deixei por menos o desafio:

– In Latin, Magister! (Em latim, mestre!)

Ele se admirou e ficou esperando a minha primeira pergunta.

Brasileiros – Quid est cerebrum nocet? (Afinal o que é um incômodo cerebral?).
Ruy Barbosa: Cerebrum usque ad illud tempus, quod noceat nemini. Ego sum primus, et undecim Freud adhuc discere scribere et legere. Tristitia, tristitia, quia non factum est in 1901 Lacan cepit. Ita me et Alves Castro ad nos prior, non multum. Cum, quid haberet. Ego autem mortuus mundo. Itaque nescire, quid hoc. (Até aquela época não se sabia o que era um incômodo cerebral. Quando eu tive o meu primeiro, Freud tinha 11 anos e estava ainda aprendendo a ler e escrever. Não era depressão porque a depressão começou quando o Lacan nasceu, em 1901. Portanto, eu e o Castro Alves fomos os primeiros a ter, não é demais? Depois descobriram o que a gente teve. Mas já estava todo mundo morto. Portanto, não sei o que era aquilo.)

Domine vocacione abolitionist venit cum aliqua documenta argui ardore ministro lorem racism.(O senhor, apesar de ter sido abolicionista, chegou a ser acusado de racista por queimar certos documentos quando era Ministro da Fazenda.)
Contumeliosum id caput. Quid magnum est norum et Agricolae servos vindicare coepit perdiderunt millions of libras in emissione. Servi valium argentum multum. Plures petere coepit republicam. Et non dubium est. Qui multis, ut minister non interrogaverunt. Litteris missis ad omnes, servi registrations in omnibus civitatibus quae registries Brazil. Sed haec ratio non posset dici quod in tempore servitutis maculam delere Brasilia dictum. Volentes me occidere, pluribus.) (Isto foi uma injúria com a minha pessoa. O que aconteceu é que os grandes proprietários de terras, os latinfundiáios, fazendeiros, começaram a alegar que com a libertação dos escravos eles perderam milhões de libras. Os escravos valiam muito dinheiro. Vários começaram a processar a República. E eu não tive dúvida. Como era o ministro, nem perguntei para ninguém. Mandei queimar todos os Livros de Matrículas de Escravos existentes nos cartórios de todas as cidades de Brasil. Como eu não podia alegar que era este o motivo, na época, disse que foi para apagar a mancha da escravatura no Brasil. Muita gente quis me matar).

Se me permite agora falar em português, é porque se faz necessário.

Melhor, seu latim é péssimo.

Há muito não o pratico.
Não mais do que eu. Diga-me, mancebo.

Existe uma história que teria acontecido com o senhor em Haia, numa festa dada pelo último czar, NicolaII, na embaixada russa. É verdade a história do cumprimento?
Parece mentira. Aliás, eu já contei esta história tantas vezes que nem eu mais sei se é verdade ou invencionice.

O que importa é a versão, se me permite.
O senhor tem razão. Não dá para contar em latim. A rima me força a voltarmos novamente à última flor do Lácio, inculta e bela. Se eu perder alguma parte tu me ajuda. Aliás, quem te contou?

Foi o Fernando Morais, o escritor. E me garantiu que quem contou para ele, teria ouvido de sua prória boca. O também escritor Moacir Werneck de Castro.
Realmente a família Werneck de Castro era minha vizinha, moravam logo ali. O Moacir era um gurizinho com menos de 10 anos.

Deve ter ouvido na sala, num sarau qualquer.
Pode ser, pode ser. Ateamos-nos aos fatos. Está certo “ateamo-nos” em português? Deixa pra lá. Vou me ater ao fato. Estamos em 1907, o Czar Nicolau II, o último dos czares. Pai da princesa Anastácia, se recorda dela? Dizem que foi a única a não ser fuzilada. Parece que fizeram até filmes com a personagem.

Desculpe, o senhor está se desviando da história.
Me desculpe. É que há muito não dou uma entrevista. Só para concluir, o filme é de 1957 e quem fez a Anastásia foi a Ingrid Bergman. Yul Brynner, aquela bicha careca, também trabalhou.

Ruy!
Me perdoe. Vamos aos fatos. De noite, no dia que eu fiz a minha célebre conferência em latim, o Czar Nicolau II, deu uma festa no consulado da Rússia. Como grande e famoso poliglota fui convidado. Havia uma fila enorme de gente do mundo todo para cumprimentar o Nicolau. O sujeito chegava perto, um ajudante de ordem dizia o nome e o país do cidadão e Lalau falava na língua do elemento. Eu, que estava na fila, fui ficando impressionado com aquilo. O homem falava mais línguas do que eu? Impossível! Quando ele chegou, fui anunciado:

– Ruy Barbosa, Brasil.

E o czar, em português:

– Como vai aquela terra maravilhosa? Copacabana continua linda? Como vai o presidente Afonso Pena?

Eu respondi laconicamente e nos despedimos. Fiquei invocado (gíria daquela década) com aquilo. Resolvi testar o czar. Dei a volta e peguei a fila de novo.

Quando cheguei, fui anunciado:

– Ruy Barbosa, Brasil.

E eu perguntei ao czar:

– Nicolau, Nicolau, vamos comer mingau?

O russo apertou a minha mão e respondeu:

– Só se for de araruta, seu filho da puta!

Rimos muito. Realmente, não importa se a história da araruta é verdade ou não. O que importa é a rima. E eu ainda fiz uma última pergunta ao mestre:

E o que o senhor acha da República brasileira hoje?
Ele pensa um pouco.
O Fernando Henrique colocou o mundo no Brasil. O Lula colocou o Brasil no mundo. Nem o mundo e nem o Brasil souberam aproveitar isso. E o maior problema do Brasil, na minha velha e ranheta sabedoria, não é a corrupção, é a incompetência. O Brasil está cada vez mais incompetente. A culpa? Da educação. O Brasil é um país sem educação. E só vai piorar. Não tem que combater a corrupção. Isso existe no mundo todo. Tem que se combater é a falta de educação. Quer que eu diga isto em latim, pra encerrar?

Não, deixa em português mesmo. Não se ensina mais latim nas escolas. Aliás, não ensinem nem a ler e muito menos a escrever, meu mestre.
Não foi o Mario Quintana quem disse que o pior analfabeto é o que sabe ler, mas não lê?

Foi.
Pois.

Pra encerrar, o agradecimento ao Google Tradutor pelo nosso parco latim.


Comentários

3 respostas para “Mario Prata entrevista Ruy Barbosa, “o maior baiano de todos os tempos””

  1. Avatar de Luan Neves
    Luan Neves

    Sensacional.
    Dos brasileiros que nos dão orgulho

  2. Juntaram-se o estilo criativo de MARIO PRATA e uma personalidade como RUI BARBOSA, e deu nessa maravilha. ESPETACULAR. Demais a da araruta.

  3. Avatar de nilson herrero
    nilson herrero

    Puta que pariu, Mario Prata! Você é mais que um gênio.
    Obrigado por existir!
    Grande Abraço!

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