Na primeira vez que vi Marília Pêra, eu ainda era criança. Ela, muito, mas muito jovem, fazia a secretária louquinha em Como Vencer na Vida sem fazer Força. Em seguida, Marília fez Catarina em Megera Indomável com Jardel Filho. Isso ainda na metade dos sessenta.
Nascida na coxia, criada nos palcos, Marília era filha dos atores Dinorah Marzullo e Manoel Pêra. Esculpida foi em um tempo que ser ator era ser mambembe, fazer todo tido de peça. O importante era estar no palco e atuar. Marília Pêra toma a cena brasileira como um vento, um tsunami, uma explosão de talentos múltiplos. Atriz, comediante, cantora, diretora, produtora. Um toque de ouro sempre.
Sou capaz de me lembrar, apesar de terem se passados quase 50 anos, de Marília com Nanini estreante na farra debochada de Joana Martini e Baby Stompanato. Em Fala baixo, senão eu grito. O primeiro texto que disseca a dificil questão de ser mulher. E aí a interpretação magistral em Apareceu a Margarida. O monólogo da professora louca. Ao mesmo tempo, a Shirley, motorista de táxi, em Bandeira Dois.
Mulher sem medo. Se podemos dizer algo de Marília Pêra é que foi uma destemida. Enfrentou peças nas quais representou mitos, como Dalva de Oliveira e Maria Callas. Apostou em jovens atores como Marco Nanini. Fez clássicos, autores novos, comédia, drama, musical, tv, cinema. Mulheres dilaceradas como Geny de Toda Nudez. Suely , em Pixote, consegue acalentar a nação em um momento insuportável do país. Talvez fosse hora de Marília pegar um pouco de Catarina e sair por ai fazendo o que quer. Como a personagem da comédia, acabar se submetendo ao amor. Talvez fosse hora de Marília, colocar o seio para fora e fazer como Suely em Pixote e nos nutrir a todos. Talvez fosse hora de Marília ter a garra de Justina, personagem de Embarque Imediato, jogar tudo para o alto só para vencer um concurso de cantora de churrascaria. Essa foi Marília. Essa absurda versatilidade. Esse talento indomável que nenhum sistema derrotou.
Deixe um comentário