A indústria do cuidado e a retomada econômica mundial

jorge felix, topo - colunista

A retomada da economia na Europa, nos Estados Unidos, no Japão está intrinsecamente submetida à capacidade de esses países equacionarem as demandas de suas dinâmicas demográficas. Assim como a crise subprime tem suas raízes no envelhecimento das populações, é justamente esse o entrave para o mundo voltar a um novo – mesmo que efêmero – ciclo de pujança capitalista neste século. Depois de alimentar a necessidade de reprodução da poupança dos baby boomers com uma desregrada concessão de créditos, a economia financeirizada, agora, se vê na berlinda de custear, além das aposentadorias, os cuidados de longa duração e os sistemas de saúde cujos custos são cada vez mais pressionados pelos avanços tecnológicos. Em outras palavras: aquilo que provocou a grande conquista da humanidade, a vida mais longa, cobra seu preço à sociedade.

Basta dizer que entre os quatro países mais atingidos pela crise financeira de 2007, aqueles que foram batizados como PIGS (em contraponto aos promissores BRICS), três são top 10 no ranking das nações mais envelhecidas do planeta e um (Espanha, no acrônimo o S de Spain) é top 20. O desafio de apresentar respostas às demandas econômicas do envelhecimento tem estado presente nas discussões globais há muitos anos, por meio dos planos de Madrid, de 1982, e de Viena, de 2002, elaborados nas assembleias da ONU. Mas, neste momento, o planeta é empurrado a fazer uma revisão de suas diretrizes sob pena de o envelhecimento agravar a nova estrela da economia global: a desigualdade social.

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Como as finanças públicas estão a contar moedas, resta aos Estados o papel de indutor do empreendedorismo, da inovação, da pesquisa e do desenvolvimento. Essa postura tem o gosto amargo de reconhecer sua limitação no século XXI ou a chamada “frustração do progresso”. No entanto, estão aí muitas possibilidades de vitória na disputa inédita na História entre a economia e a longevidade humana.

Poderíamos citar como exemplo do que se quer dizer o esforço de Barack Obama para criar seu sistema misto de Saúde. Seria apenas um exemplo das limitações políticas do Estado. Embora nos Estados Unidos, o setor privado permaneça extremamente atento para a economia da longevidade (voltarei aos EUA em posts futuros). Os cases mais virtuosos, porém, são Alemanha e França (deixemos de lado aqueles países que não estão no planeta, os escandinavos). Veremos como os governos desses dois países estão empenhados nessa revisão econômica sobre o envelhecimento e quais esforços estão sendo feitos para aproveitar as oportunidades na iniciativa privada sem abandonar um papel relevante do Estado. Em ambos os casos, a indústria do cuidado é o segmento protagonista das políticas públicas como alvo para despertar o “espírito animal” do empresário.

De acordo com a ministra alemã de Assuntos de Família, Idosos, Mulheres e Jovens, Manuela Schweisig, seu país tem hoje 2,5 milhões de pessoas com necessidade de cuidados de longa duração. Em 2030, serão 3,5 milhões de alemães ou 4,5% da população. Embora destaque que o país tem “um estátvel, resiliente, flexível e sustentável sistema de Seguridade Social”, herança do Estado do Bem-Estar Social do pós-guerra, Schweisig prepara mudanças na estrutura de cuidados da Alemanha. Essas alterações estarão explicitadas no 7º Relatório “Cuidado e Responsabilidade – construindo e preservando comunidades sustentáveis”, a ser divulgado nos próximos meses com as diretrizes do programa “Repensando o envelhecimento”.

O documento estabelece as atribuições municipais e federais e faz um mapeamento do setor de cuidado (care) no país. Devido ao grande número de pessoas necessitando de cuidados, o governo assume que a família precisa de amparo, o governo oferece, então, serviços ou subvenções, crédito (haverá uma lei específica para financiar cuidados com juros subsidiados, o pflegestärkungsgesetzt) e suporte para o setor privado com o objetivo de manter ao máximo a vida independente dos “mais idosos” (maiores de 80 anos).

O programa prevê ainda amplo treinamento e qualificação de cuidadores, batizado de “ofensiva” tal a emergência de ampliar a oferta dessa mão-de-obra, e uma ampliação dos centros-dia ou contratos privados de cuidados. Esses contratos – rico mercado para os advogados – agora serão fiscalizados pelos Procons, depois de muitos anos de litígio entre empresas de cuidados e familiares de idosos.

Os desafios, tamanho e oportunidades desta indústria ficam mais claros com o caso da França. Desde 2013, a então ministra da Pessoa Idosa e da Autonomia, Michèle Dalaunay, divulgou o relatório “A economia da longevidade, uma oportunidade de crescimento para a França”. São seis propostas para tornar o envelhecimento populacional e a indústria do cuidado (sobretudo a teleassistência) um filão de negócios e de exportação de produtos e serviços capaz de reanimar o PIB. No modelo francês, o governo também propõe linhas de crédito e incentivos fiscais.

Em pouco tempo, surgiram muitas iniciativas promissoras. A empresa de correios (Le Poste), uma das maiores estatais do país, passará a oferecer serviços de cuidados a idosos que moram sozinhos. Um trabalho bem parecido com aquele da Pastoral da Pessoa Idosa aqui no Brasil. Como há idosos que são visitados apenas pelo carteiro, então ele enviará um relatório ao governo sobre a situação daquele idoso ao custo de alguns poucos euros mensais. Mas é no setor de tecnologia que as inovações surgem com mais vigor. Está em curso uma revolução na teleassistência. Não apenas por uma imensa quantidade de aplicativos para monitorar idosos e a saúde, mas porque o conceito de monitoramento está em questão.

A instalação de dispositivos, a robotização do idoso ou as famigeradas câmeras sofrem um ataque de críticas com argumentos éticos e jurídicos na onda de rejeição à vigilância (uma espécie de “Efeito Assange”). Qual o direito que alguém tem de invadir a privacidade de uma pessoa idosa sob a justificativa de estar cuidando dela? O questionamento inspirou uma empresa startup de Grenoble a desenvolver um monitoramento por raios infravermelhos. São eles que fazem o trabalho do carteiro ou do voluntário da pastoral e vão informar a uma central digital qualquer anomalia na residência ou no comportamento do idoso dentro de casa, sem acesso a nenhuma imagem da pessoa. A empresa já recebeu um aporte de 300 mil euros de um “investidor anjo”.

São algumas das alternativas que os países envelhecidos estão encontrando para atender suas demandas de cuidados e estão movimentando somas imensas. É uma resposta da economia da longevidade com enormes possibilidades e preocupação com o social, isto é, sem abdicar das responsabilidades do Estado e deixando aberta a possibilidade de os idosos não quererem ser cuidados por parentes. Com essa revisão sobre o envelhecimento, os países ricos miram, sobretudo, a redução da demanda por imigrantes.

Atualmente, eles (ou melhor, elas) são os cuidadores de idosos, principalmente na Europa. É o chamado “sistema mediterrâneo de welfare”. Na Itália, o fenômeno originou um nova personagem, a bandante – cuidadora imigrante ilegal. Sua origem é, em sua maioria, do Leste Europeu. O agravante é que essa imigrante é de idade média, prometendo, no futuro, transformar-se em um dependente de cuidado.

Embora muitos europeus estejam nas ruas contra a imigração por recusarem-se a dividir suas economias debilitadas com outras nacionalidades, como se vê, a situação não é nada simples, pois os filhos europeus fazem apenas o papel de “gerentes de cuidadores”. Essa ambiguidade permite a alguns autores constatarem que, “se antes era a exploração de bens e matéria-prima que marcava a empresa colonial, hoje é o cuidado, o amor, o carinho para com as crianças e idosos que dá novas configurações ao trânsito internacional de pessoas”.[1]

[1] DEBERT, G.G. Imigrantes, Estado e família: o cuidado do idoso e suas vicissitudes In HIRATA, H. e GUIMARÃES, N. A., Cuidado e cuidadoras, as várias faces do trabalho do care, São Paulo, Ed. Atlas, 2012.

*Jorge Félix é especialista em economia da longevidade, jornalista, professor e mestre em Economia Política pela PUC-SP. É autor do livro “Viver Muito” (Ed. Leya). www.economiadalongevidade.com.br


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