É tarde já, mas passo de bicicleta pela Place de la République. Quero ver de perto o que está acontecendo ali, já são cinco ou seis noites em que um movimento político está ocupando a mesma praça em que choramos as vítimas dos atentados de janeiro e depois as de novembro, a mesma em que mil pares de sapatos vieram representar a marcha da COP 21 que fora proibida pelo Estado de Urgência, a mesma em que durante noites a fio foram acesas velas, como pequenas chamas de dor e de esperança. Esta praça, la Place de la Republique, virou agora uma ágora onde toda noite acontece uma assembleia geral. Um parlamento do povo, aberto ao debate, onde cada pessoa tem direito a três minutos de tomada da palavra, seguindo a ordem dos inscritos, alternando-se homens e mulheres, sendo que a assistência pode expressar seu assentimento ou desacordo usando os gestos codificados pelo movimento dos Indignados.
Paro minha bicicleta perto de um dueto de jovens que está declamando uma série de invectivas em duas vozes.
“O Estado de Urgência está se prolongando mais do que o necessário. Estão querendo tapar a boca do povo, impedir nossas manifestações, calar nosso ímpeto. Nós não queremos mais este mundo! Na COP 21 prometeu-se mudança e, ao final, está tudo igual! Vão construir o Aeroporto de Notre Dame des Landes (com imenso impacto ecológico), continuam com o gás de xisto. Será que não percebem que estão agarrados a um mundo moribundo? Este mundo se acabou, mas nós não somos obrigados a acabar junto com ele!”
Dizem tudo isto alternadamente, a moça e o rapaz, ela mais segura de si, ele hesitando um pouco.
“Nós não queremos este Estado de Urgência se não pudermos mais dançar!” E põem-se então a bailar abraçados, no embalo da música que colocam no aparelho de som. Aos poucos, todos aqueles que estavam escutando o dueto formam pares e dançam no meio da praça, durante três, quatro, cinco minutos de suspensão. É lindo.
Ao final, espontaneamente formam uma roda e a música se acaba com todos unidos, de mãos dadas.
Nesta primeira semana da Nuit Debout (leia-se nui – dê – bu, entenda-se “Noite em Pé”), já houve intervenção da polícia, prisão de estudantes de colégio, jornal de direita desmerecendo o movimento, bandeiras lembrando slogans de Maio de 1968.
Ontem decidiram criar um novo calendário, como aconteceu na Revolução Francesa. O dia 31 de Março tornou-se o dia número 1, a primeira Nuit Debout, depois de um dia difícil. Mais cedo, naquela quinta-feira, a chuva intensa não impedira que mais de meio milhão de pessoas saíssem às ruas para protestar contra a lei El Khomry que pretende mudar muita coisa no código do trabalho em prol de uma flexibilização das leis trabalhistas que agrada mais aos patrões que aos empregados.
Não se sabe quanto tempo este movimento irá durar, se ele tem a força de criar um verdadeiro fórum de debates, se é capaz de fomentar uma transformação profunda das instituições, do sistema, do paradigma que dita o funcionamento da sociedade capitalista. Em todo caso, ele expressa o desejo e o ímpeto de uma população que está precisando respirar. E dançar juntos em praça pública para começar a mudar o mundo me parece ser uma ótima medida.
*Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 52 anos, 32 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.
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