Vamos fazer um teste de midiotice?
Apanhemos um exemplar qualquer na pilha de jornais destinada à higiene do cachorro.
Então, temos em mãos a edição do Estado de S. Paulo da sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016. Diz a manchete: “Governo adia corte e agrava temor sobre política fiscal”.
Você comprou e levou a notícia pelo valor de face, certo? Afinal, você está convencido de que o Brasil só vai para a frente se o governo reduzir seus gastos.
Vejamos: a manchete se divide em dois tópicos – um deles, informação oficial, diz que o governo deixou para março a decisão sobre cortes no orçamento porque, em vez de simplesmente sair podando, encomendou à equipe econômica uma proposta mais ampla de reforma fiscal.
O outro tópico diz o seguinte: “(…e agrava temor sobre política fiscal)” – o que não é, sob nenhum critério aceitável, uma informação objetiva, pois o jornal não teve tempo de fazer uma pesquisa para chegar a essa conclusão.
Agrava temor de quem? – Do mercado, diz o texto. Mas quem é “o mercado”? – Meia dúzia de três ou dois analistas de fundos de investimento que estão na agenda do repórter e de quem o jornalista fila uma boia de vez em quando.
Quer ver que coisa interessante? – Em 23 de fevereiro de 2011, a presidente Dilma Rousseff, iniciando seu primeiro mandato, tomou decisão semelhante. E os analistas escolhidos pelos jornais aprovaram o adiamento dos cortes, porque consideravam normal diante da perspectiva de um “aperto fiscal”.
Sabe o que mais? – Governadores e parlamentares pressionavam a presidente para que ela recriasse a CPMF, mas ela rejeitava a proposta.
O que é que mudou?
O que mudou é que a mídia tradicional, que tinha entrado de cabeça na campanha eleitoral de 2010, ainda estava digerindo a derrota nas urnas.
Passado o primeiro mandato, as empresas de comunicação engasgaram com a nova derrota e deram partida a uma aventura golpista no dia da posse.
Mas isso é outra história.
Voltemos à manchete citada: Você acha que o “mercado” deve ser o principal paradigma para a avaliação de decisões do governo no campo econômico?
Você, por exemplo, é “o mercado”? – Se não é, por que veste a camisa dessa entidade fantasmagórica que define a agenda da imprensa hegemônica?
Resposta: porque você é um midiota a caminho da perfeição.
Outra pauta: você soube da denúncia de uma ex-jornalista da TV Globo contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? A ex-repórter Mirian Dutra botou a boca no mundo, primeiro na publicação espanhola brazilcomz.com, e depois na Folha de S.Paulo, declarando, entre outras barbaridades, que FHC, suposto pai do seu filho, pagava suas despesas no exterior por meio de um contrato fictício de trabalho com uma empresa que explorava lojas em aeroportos brasileiros e tinha outros negócios com o setor público.
A história é saborosa. Seria uma fofoca das boas, quase um roteiro de novela mexicana, não fosse o seguinte detalhe: a empresa Brasif, cujo dono admite ter feito a intermediação, ganhou durante o governo FHC o direito de explorar o comércio isento de IPI e do Imposto de Importação no sistema free-shop. Ganhou, porque nos aeroportos de São Paulo, Brasília, Florianópolis, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza ela não teve concorrentes.
Consegue fazer a conexão?
Agora compare esse escândalo com as sucessivas manchetes sobre o bote de alumínio da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva.
Entendeu como a salsicha é feita?
Para ler: Abrindo o bico, entrevista de Mirian Dutra à revista BrazilcomZ.
Para ler: Pulando a cerca, entrevista à colunista Mônica Bergamo.
*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”
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