De repente, você acorda e se dá conta de que se envolveu numa briga de rua. Digamos que você considerou, até aqui, que sua indignação contra aquele partido que veste vermelho se fundamentava num legítimo ato de protesto contra esse tal de mar de lama.
Afinal, você assiste religiosamente o Jornal Nacional e, mesmo com o dinheiro meio curto para assinar jornais e revistas, entende que basta dar uma olhada nas manchetes: se os destaques do telejornal da noite anterior coincidem com as primeiras páginas da mídia impressa, só pode ser tudo verdade, certo?
Pois muito bem. Você estava absolutamente seguro de que se tratava de um tsunami de cidadania contra a corrupção. Que o juiz Sergio Moro e seus companheiros formam a Liga da Justiça, combatendo os saqueadores do tesouro nacional. Portanto, tirar do poder a quadrilha que se apossou da chave do cofre é mais do que uma questão política: é uma garantia de salvação nacional.
Só que, de repente, você acorda e começa a perceber que a comissão criada para encaminhar o processo de impedimento da presidente eleita em 2014 está cheia de figuras suspeitas. Aquele roubou dinheiro do sistema de saúde. Outro recebeu doações da mesma fonte que é condenada por apoiar a aliança governista. Uma chusma deles, inclusive o chefe da operação, é acusada de manter contas ilegais no exterior. Você resolve investigar e constata que outro chefe da conspiração teve a carreira política financiada pela máfia do jogo ilegal. Então, pinta aquela perigosa dúvida: será que eu me meti numa briga de quadrilhas?
Se você acredita piamente que a presidente da República – contra quem não foi levantada nem uma acusação de crime que justifique o processo de cassação – é parte de uma quadrilha, o que dizer de seus acusadores?
Mas, logicamente, o sistema mental do midiota tem suas defesas. Então, você pondera: mas há muitos indícios e suposições contra ela. Mas o veneno da dúvida argumenta: desde quando a legislação brasileira permite condenar com base em suposições? Isso não seria coisa mais propriamente ligado a países que você detesta, como a Coreia do Norte?
O presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, instância reconhecida como meio de arbitragem de questões como essa, relaciona o processo brasileiro a um golpe de Estado. Também o presidente da Organização dos Estados Americanos se coloca contra esse processo, argumentando que a presidente da República não responde por nenhum ato ilegal que justifique o impeachment.
Espere.
Melhor parar por aqui.
Afinal, você vai perceber que acabou no mesmo barco do Marco Feliciano, aquele que… você sabe. Então, é melhor buscar outras fontes para apaziguar sua consciência de midiota. Vou lhe fornecer uma: o site Migalhas, uma espécie de dazibao eletrônico de advogados, está divulgando uma pesquisa em que se conclui que cerca de 75% dos causídicos da sua base de relacionamento apoiam o processo de impeachment.
Está vendo? Você está em excelente companhia: três quartos dos advogados dessa amostragem pensam como você. Acreditam na imprensa hegemônica e acham que estão lidando mesmo com um processo judicial.
Siga em frente.
No domingo, vista verde e amarelo e vá dar seu apoio ao movimento.
Dizem que, se o processo do impeachment passar na Câmara, o Brasil vai amanhecer na segunda-feira completamente renovado, com o Tesouro salvo das mãos dos bandidos e que os 54 milhões de eleitores que votaram em Dilma Rousseff vão colocar o rabo entre as pernas e voltar para a senzala, de onde nunca deveriam ter saído.
Só que não.
Se o golpe passar e você resolver sair da manifestação para comemorar com um “chopps e dois pastel”, olhe bem o recheio.
Para ler: Câmara Interamericana de Direitos Humanos – entrevista a Carta Capital.
Para ler: Organização dos Estados Americanos, entrevista a ElPais.
*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”
Deixe um comentário