Você leu as manchetes da semana, adorou as capas de V***, de Ép***, de $$$$É, e assistiu atentamente ao Jornal Nacional durante todas as noites, desde o dia 1º de janeiro de 2015. Ficou convencido de que a presidente então eleita pela maioria dos brasileiros não poderia assumir. Se assumisse, não deveria governar. Se governasse, não deveria ser capaz de cumprir seu programa de governo.
Passou-se o tempo. Você foi se animando, saiu primeiro timidamente, depois, transformou a bandeira em sua vestimenta predileta e fez das manifestações sua principal atividade social. Você estava absolutamente convicto de que estava engajado numa cruzada pela moralização da política e da vida pública no Brasil.
Então, sai na primeira página do Estado e corre pela Internet a informação dando conta de que os parlamentares que pretendem tirar do poder a presidente eleita estão negociando uma anistia ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Fica sabendo também que o vice-presidente Michel Temer, conspirador entre conspiradores, foi ameaçado por Cunha de ser incluído no processo do impeachment porque se nega a aceitar certas imposições do presidente da Câmara como parte do pagamento pela operação do golpe.
Se você está determinado a prosseguir na senda da perfeita midiotia, feche os olhos, engula em seco e diga bem alto: “Tudo vale a pena pra tirar o PT do poder”. Mas se você ainda tem três neurônios em funcionamento, cuidado: você pode estar tendo um ataque de lucidez. E, como sabemos, lucidez pode trazer como efeitos colaterais dúvidas, angústias, complexidades – essas coisas que compõem a vida inteligente.
Eu disse três neurônios porque, com exceção dos midiotas, os demais seres humanos precisam de três referências para formar opinião. Uma delas posta um tema, outra o refuta e a terceira faz uma escolha. Não vou te enganar: não é fácil aprender a usar três neurônios. No caso de sua relação com a mídia, essa é a condição para ganhar ou preservar alguma capacidade de interpretação.
Trata-se de assunto complicado, que mobiliza grandes pensadores há muito tempo. Desde o surgimento das primeiras teorias específicas da comunicação social, no meio do século passado, muitos intelectuais vêm tentando compreender como acontece o processo de convencimento de grandes massas de audiência ou de público por meio da mídia.
Acredite: há pelo menos dez anos a mídia tradicional do Brasil e de grande parte da América Latina está empenhada em interferir no processo democrático por meio da manipulação de informações. Aqui no Brasil, esse projeto está em fase de conclusão e chegamos à beira de uma ruptura no curto período de eleições livres e respeito à vontade das urnas que alcançamos depois da ditadura militar. Mas você vai sair às ruas, vai bater panela, assoprar apito, vai celebrar, porque acredita que está começando um novo Brasil, sem corrupção.
Você vai ler, daqui para a frente, um monte de manchetes e artigos, vai ouvir ponderações e arrazoados no rádio e na televisão, sobre a chance de uma renovação na política e de uma nova fase, de pacificação nacional. Mas dê uma olhadinha nos nomes dessa fina casta de homens públicos que está se apropriando da chave do cofre.
Para variar, observe o que diz a imprensa internacional sobre esse assunto e compare com o que você tem visto na Globo, no Estado, na Folha. Será que você entrou numa fria?
Para ler: Financial Times – Impeachment pode levar ao caos, via BBC em Português.
Para ler: New York Times – Quem é Michel Temer.
*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”
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