Veja que coisa interessante: num dia, o Estado de S. Paulo publica manchete dizendo que o governo enterino e sua bancada de golpistas no Congresso estão diminuindo as ambições do anunciado corte de despesas.
Todo mundo quer tirar uma lasquinha, mas a fonte é uma só, o seu bolso, e ninguém é bobo de abdicar de suas emendas e seus carguinhos bem remunerados.
No dia seguinte, o mesmo jornal publica declarações de líderes do PSDB pedindo que o enterino seja mais rigoroso na redução dos gastos públicos.
No meio tempo, aumenta-se o teto salarial da magistratura, o que vai levar a uma cascata de despesas no setor público.
Tudo isso protagonizado pelo grupo político que, respaldado pela mídia tradicional, interrompeu o mandato da presidente eleita em 2014 e vai agora levá-la a julgamento no plenário do Senado, mesmo que não tenha sido demonstrado qualquer ato ilegal que justifique tal violência contra seus milhões de eleitores.
Agora faça um pequeno retrospecto das emoções a que você foi conduzido nos últimos meses.
Foi para isso que você saiu às ruas?
Para ver a sucessão de trapalhadas provocadas pelos ocupantes do Planalto e tomar conhecimento da folha corrida de cada daqueles arautos da moralidade pública?
Vejamos o exemplo acima: primeiro, o jornal faz uma encenação de crítica porque o governante de plantão não fez aquilo que supostamente deveria fazer – na opinião dos editores, é claro – ou seja, o desmantelamento do Estado, em busca do que muitos articulistas chamam de “estado mínimo”.
Agora pensemos juntos: como funciona a mecânica do convencimento da imprensa?
A resposta óbvia é esse jogo combinado, em que a mídia hegemônica produz manchetes que movem a opinião do cidadão comum, e em seguida vai ouvir os políticos que ela apoia, para lhes dar o mérito do contraponto indignado.
Então, sigamos com o raciocínio.
Se o governo enterino planeja, como já foi anunciado, reduzir alguns direitos dos trabalhadores, aquelas garantias que foram criadas há mais de meio século para proteger os assalariados durante as crises cíclicas do capitalismo, e ao mesmo tempo segue patrocinando a farra dos congressistas e concorda em dar um aumento expressivo à cúpula da magistratura, onde está o erro?
O erro está justamente na ideia de “estado mínimo” que as grandes empresas de comunicação tentam vender a você: um estado pequenininho para quem mais precisa e um estado gordo e bem nutrido para os apaniguados do poder e a elite do serviço público.
Haveria alguma outra razão por trás?
Claro, você pode fazer um esforço de imaginação e supor que estaria em andamento uma grande negociação, na qual os nobres magistrados teriam ampliado seus proventos e, em troca, cruzariam os braços diante da flagrante ilegalidade do processo de impeachment.
Evidentemente, se você produzir esse tipo de raciocínio, ou chegar a intuir que faz algum sentido, é um sinal de que sua mente pode estar se libertando da condição de midiota.
Se sentir um formigamento nas mãos, pode ser a síndrome de abstinência.
Corra a comprar um desses jornais ou aquelas revistas semanais de ficção jornalística. Sente-se diante da TV na hora do Jornal Nacional.
Ou assuma a midiotice e procure um grupo da AMA – Associação dos Midiotas Anônimos.
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