O psiquiatra alemão Franz Müller-Lyer criou, em 1889, um dos mais conhecidos e aplicados processos de ilusão cognitiva. Trata-se da exposição de duas linhas retas, exatamente do mesmo tamanho, terminadas em seta; a diferença entre elas é que uma delas apresenta as extremidades com os ângulos invertidos, ou seja, voltados para dentro, e a outra termina em duas pontas.
A ilusão se processa pelo fato de que a figura com as extremidades pontiagudas sempre parece menor que a outra.
O interessante é que o observador demora a se convencer de que as duas linhas retas têm o mesmo tamanho, mesmo depois de medi-las.
Esse fenômeno tem sido bastante estudado nos campos da psiquiatria e das neurociências, mas são raras as pesquisas no campo da comunicação.
E, curiosamente, esse artifício se aplica na comunicação social com muita frequência.
Pode-se mesmo afirmar que esse é o processo pelo qual os meios de comunicação de massa conseguem convencer grandes audiências: propondo a observação de dois objetos de informação semelhantes como se fossem diversos; ou, pelo contrário, apresentando dois objetos diferentes, pertencentes a contextos alheios um do outro, e convencendo o receptor de que se trata de coisas iguais ou assemelhadas.
Há duas teorias básicas que tentam explicar a ocorrência da ilusão. Uma delas, a teoria cognitiva, oferece resultados de imagens por ressonância magnética para demonstrar como o cérebro processa a representação das imagens. A outra, fisiológica, diz que a linha terminada em pontas parece mais curta simplesmente porque as setas para fora induzem o olhar de volta para o centro da figura, enquanto, na outra, as setas voltadas para dentro abrem o olhar para fora.
O que isso tem a ver com o mundo dos midiotas?
Tem tudo a ver: quando você assiste uma manifestação de operadores da Justiça, ilustrada por uma apresentação em powerpoint, com gráficos coloridos e profusão de quadrinhos, é levado a acreditar que aquilo é a mais profunda verdade, ainda que os protagonistas tenham declarado que todo o conteúdo apresentado não produz provas juridicamente aceitáveis, mas apenas e simplesmente “convicção”.
Assim como você demora a se convencer de que as duas linhas de Müller-Lyer são exatamente do mesmo tamanho, mesmo tendo medido duas ou três vezes as figuras, sua mente também se nega a aceitar que aquela bela apresentação feita por profissionais jovens, de boa aparência, nada teve de objetividade.
No caso em questão, o grupo de trabalho formado por policiais e procuradores federais não produziu uma peça jurídica – embora alguns juristas de valor tenham se dado o trabalho de procurar em sua colorida apresentação alguma relação com o Direito. O que eles produziram foi um factoide, em combinação com os pauteiros da mídia tradicional.
Você acredita em tudo aquilo porque quer acreditar e também porque os “analistas” da imprensa conservadora reforçam o caráter ilusório daquela peça supostamente jurídica.
No dia seguinte, evidentemente, aparece como por milagre o novo vazamento de uma antiga delação já colocada sob suspeita, para evitar que você coloque uma fita métrica sobre o factoide.
O que você assistiu foi mais um capítulo do golpe fascista em processo. Para os golpistas, não basta ter entregue o poder Executivo ao baixo clero do Congresso – é preciso evitar que o poder volte para o grupo que foi conduzido ao Planalto pelas urnas. Para isso, é necessário anular politicamente o ícone desse campo ideológico.
Não se está aqui a afirmar que o ex-presidente Lula da Silva, alvo principal desse processo, esteja isento de suspeitas.
O que se pode evidenciar é que a peça acusatória não resiste a uma análise isenta.
Seu caráter de ficção esconde um jogo perigoso.
Está em curso não apenas a ameaça de uma intervenção no sistema democrático do voto. A apresentação festejada pela mídia hegemônica coloca em risco a sobrevivência do sistema judiciário brasileiro e suas tradições mais caras.
Quem ainda tem discernimento e enxerga o tamanho das setas de Müller-Lyer deve entender que o processo do fascismo não hesita em queimar o reichstag, como em 1933 na Alemanha, ou demolir as instituições republicanas, como está ocorrendo no Brasil em 2016.
Os operadores dessa falseta agem com tal destemor porque recebem o respaldo da imprensa conservadora.
O que os donos da imprensa tradicional parecem não entender é que o processo do fascismo passa pela execração da política e pode terminar com a demonização da própria mídia.
Para ver: as setas ilusórias de Müller-Lyer.
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