Mais do que nunca, o governo do presidente Michel Temer está a merecer, neste período carnavalesco, o epíteto de enterino.
Nem mesmo o presidente incidental José Sarney, em seu atabalhoado fim de governo, navegou tão à deriva como o atual inquilino do Planalto.
E deve-se considerar que Sarney foi massacrado, no último ano do mandato, pelos interesses da imprensa hegemônica, que no fim dos anos 1980 estava empenhada em fabricar o “estadista” Fernando Collor de Mello e conter a popularidade do deputado Lula da Silva.
Pressionado por aliados que, segundo os critérios da Lava-Jato, deveriam estar purgando seus pecados na cadeia, e avariado por suas próprias vulnerabilidades, Temer conduz o barco sob o comando das circunstâncias.
Ele é refém de seu ex-ministro da Justiça, que em última instância sempre vai ser fiel ao tucanato paulista, deve favores à bancada dita “evangélica”, que elevou o diabo a protagonista político para fundamentar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e vê seu casamento transformado em epicentro de um terremoto por causa de um bisbilhoteiro de quinta categoria, que resolveu xeretar conversas banais da primeira-dama.
A casa só não caiu (ainda) porque as grandes empresas de comunicação estão inseguras quanto ao caminho que as instituições tomariam se ele fosse tragado pelo mar de lama agitado desde Curitiba.
Outra vez o fantasma de Lula assombra as casas dos Marinho, dos Frias, dos Mesquita e dos Civita, e não há no horizonte ninguém com estofo suficiente para vestir a fantasia dos marqueteiros.
Cada um de seus colaboradores mais próximos foi abatido pelas revelações que o grupo de investigadores não conseguiu conter, e cada nome que ele saca de sua agenda vem carregado de novos problemas.
Por exemplo, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, jurista que ele escolheu para ser o novo ministro da Justiça é, curiosamente, advogado de um de seus apoiadores, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), em dois processos a que ele responde no STF.
Coincidência? Nenhum assessor de Temer o alertou para isso? Ou o presidente enterino perdeu completamente a compostura?
Ainda assim, nem o mais submisso dos editores consegue dissimular como o Planalto balança ao sabor das ondas.
Na semana que se encerra, por exemplo, além do grotesco episódio protagonizado pelo presidente, ao ressuscitar a censura à imprensa para corrigir as tolices de sua mulher, ele vê seus aliados se enrolarem no projeto que, a propósito de controlar a corrupção, abre espaço para a impunidade.
Além disso, seus assessores tentam esconder o rápido esfacelamento do sistema público de ensino, contam com a cumplicidade da mídia hegemônica para esconder o desastre que tem sido a gestão das crises no sistema penitenciário e na segurança pública e manobram para fazer com que os números preocupantes da economia sejam lidos como sinais de recuperação.
No meio da balbúrdia provocada por um governo sem base popular, implantado no alto do poder por uma manobra política que se revela cada vez mais escandalosa e apoiado por candidatos à hospedagem na carceragem da Polícia Federal, vem o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, e aumenta a confusão.
Em entrevista publicada no caderno de fim de semana do Valor Econômico, o general reafirma que as Forças Armadas não vão interferir no poder civil, apesar de reconhecer a gravidade da crise política. Mas produz uma diversidade de interpretações ao dizer que “somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer e o que deve ser”.
Comete uma imprecisão histórica ao afirmar que até as décadas de 1970 e 1980, o Brasil “tinha identidade forte, sentido de projeto, ideologia de desenvolvimento”.
Não, general, o que deu ao Brasil uma integridade foi a campanha das Diretas, seguido pela Constituinte, entre 1986 e 1989, que mesmo assim acabou conspurcada pelo corporativismo.
E o midiota? – perguntará o leitor mais atento.
O midiota não chegou ao segundo parágrafo: é carnaval!
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