A reforma da Previdência, proposta pelo governo enterino do sr. Michel Temer, tem poucas chances de ser aprovada no Congresso Nacional.
O próprio relator do projeto, o líder da maioria na Câmara, deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES), declara que o texto provocou “inquietação e rebuliço” entre seus pares.
Certamente suas excelências estão preocupadas com a repercussão do voto nas redes sociais, e daí para as urnas das próximas eleições.
Assim, os parlamentares ficam emparedados entre a inevitável condenação da medida por grande parte da população e as ameaças verbalizadas pelos defensores do projeto.
O ministro da Fazenda, o banqueiro Henrique Meirelles, tenta passar por cima da discussão afirmando que esse “não é um objeto de decisão, é uma necessidade em função das contas públicas brasileiras”.
Como sempre, claro, ele saca a conta das despesas primárias do Estado, dizendo que eram de 10,8% do Produto Interno Bruto em 1991 e subiram para 19% do PIB, que em 2016 ficou em R$ 6,266 trilhões.
Portanto, o destino da proposta vai depender da mobilização da sociedade.
Mas o debate conduzido pela mídia hegemônica sobre a questão passa longe do ponto central.
A questão a ser debatida deve partir da descrição do objeto: o que é a previdência social?
Certamente não é apenas um item do balanço das contas públicas, mas um dos elementos definidores de como o Estado enxerga sua relação com a sociedade.
Comumente se saca também o que se chama de “oportunidade demográfica”, quando o país ainda tem uma grande população de jovens para bancar a crescente massa de aposentados com chance de longevidade cada vez maior.
No caso da proposta do senhor Temer, a questão vai muito além das contas: se ela for aprovada, a previdência social será uma impossibilidade para a grande maioria dos jovens brasileiros.
O grande problema está sendo dissimulado nas discussões veiculadas pela imprensa dominante.
Ele não está presente no item da idade mínima, 65 anos para homens e mulheres, como tem insistido os representantes do Planalto e os comentaristas teleguiados.
O grande problema é o tempo para a aposentadoria integral: os 49 anos de contribuição propostos simplesmente tornam sem sentido a aposentadoria para a maioria dos brasileiros que seriam afetados por essas regras.
A conta não bate com o propósito de uma aposentadoria efetiva, que assegure a sobrevivência com alguma dignidade.
Quantos jovens hoje precisam escolher entre o primeiro trabalho (se possível, com carteira assinada) e o prosseguimento dos estudos? Quantos desses serão obrigados a desistir de um curso técnico ou curso superior quando perceberem que precisarão enterrar seus sonhos e começar a trabalhar aos 16 anos para ter direito ao descanso remunerado antes que se sintam absolutamente imprestáveis até para tomar um ônibus sozinhos?
Quantos adolescentes, sabendo que não terão uma chance na vida, continuarão frequentando os cursos básicos?
E o que dizer sobre as jovens mulheres, que acrescem a essa perspectiva a dupla jornada, se é que ainda sonhassem em constituir uma família e ter filhos?
Sem estudo, como eles poderão se candidatar a uma previdência de verdade, dessas do serviço público que presenteia mensalmente com R$ 40 mil ou mais?
Quando um governo vai encarar a necessidade de reduzir os privilégios dos filhotes do Estado?
Como se pode concluir facilmente, trata-se de um saque contra o futuro dos brasileiros que mais necessitam de apoio do Estado para serem convencidos a participar da sociedade: o sr. Meirelles pede um cheque pré-datado para quem ele sabe que não vai ter fundos.
O desastre é visível ali na esquina, mas aí o sr. Meirelles já será apenas um nome de rua.
O que a imprensa hegemônica não discute é: sendo a previdência social uma obrigação do Estado, com a qual deve contribuir toda a sociedade, por que não procurar na Constituição a norma que define o papel social do capitalismo brasileiro e determinar que todos devem financiar a previdência, e não apenas o patrão e o empregado?
Por exemplo, por meio de uma Contribuição Previdenciária sobre a Movimentação Financeira, periodicamente ajustada para assegurar a receita à necessidade do sistema previdenciário.
Mas essa sigla, CPMF, provoca desarranjo intestinal no andar de cima, porque estabelece alguma isonomia entre os contribuintes.
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