Manual do perfeito midiota – 8

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Analistas de fundos de investimento voltam a alertar sobre novos sinais de agravamento da crise sistêmica que desestruturou a economia global em 2008. Na imprensa brasileira tradicional, com exceção do jornal Valor Econômico, tudo que se apresenta ao leitor é o risco de uma redução do apetite da China por commodities.

“Compla, compla, compla”, como diriam os torcedores do Corinthians: se os chineses param de comprar, a recessão bate à porta do mundo ocidental.

O que falta aos chamados diários genéricos está resumido no título de uma reportagem assim apresentada na edição de quinta-feira (29/01) do Valor: “Lucro do Bradesco cresce e passa de R$ 4 bilhões no trimestre; inadimplência sobe”.

Essa é uma boa matriz para se iniciar uma investigação jornalística sobre as dificuldades enfrentadas pelo Brasil. Sabe-se que a reforma do sistema financeiro nacional, realizada em 1995 com o Proer – Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional -, criou uma rede de grandes bancos dominantes e deixou para os cofres públicos a parte podre do sistema.

Você não vai ler muita coisa sobre isso na mídia tradicional nem vai ouvir comentários indignados nas emissoras hegemônicas de rádio e televisão. Para fugir à regra, um blogueiro do Estado de S. Paulo abordou o assunto no ano passado (veja aqui). Mas o tema fica longe das manchetes.

Você pode refletir como, num sistema financeiro praticamente oligopolizado, quem perde é sempre aquele que precisa de financiamento, por isso são importantes as recentes medidas para a retomada da oferta de crédito..

Talvez você não saiba que, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, uma condição para que os bancos aceitassem a instabilidade na transição para o real foi essa reforma. Em resumo, tratou-se do seguinte: o governo resgatou com dinheiro público sete grandes bancos do País – Bamerindus, Nacional, Econômico, Mercantil, Crefisul, Pontual e Banorte. Foram injetados R$ 16 bilhões para salvar essas instituições.

Em seguida, o governo tomou o controle desses bancos e fez a seguinte operação: a parte boa, dos bancos que possuíam ativos valiosos, foi vendida de volta para o setor privado – o Itaú abocanhou o Nacional; o Bamerindus foi para o HSBC; o Econômico, envolvido em gestão fraudulenta, acabou nas mãos do Bradesco, e assim por diante.

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Passados vinte anos, a parte podre ainda pesa na bolsa da viúva: três dos sete bancos que receberam ajuda do governo FHC devem ao Banco Central cerca de R$ 30 bilhões.

O ex-presidente Lula da Silva impediu que o Banco Central aceitasse  o pagamento da dívida em FCVS, os Fundos de Compensação de Variações Salariais, considerada uma moeda podre, e a pressão voltou com a posse de Dilma Rousseff, mas ela vetou a operação em duas ocasiões.

Finalmente, em 2011, a presidente Dilma aprovou uma lei permitindo que os devedores entrassem para o plano de financiamento de dívidas do Refis, o que lhes valeu um enorme desconto mas garantiu o recolhimento de parte do esqueleto.

Se o governo tivesse aceitado a proposta dos banqueiros, o Banco Central teria sofrido uma perda superior a R$ 40 bilhões.

Mas você não vai se incomodar com isso, certo? Você está certo de que o problema do Brasil são os gastos do governo.

Afinal, essa é a resposta mais simples. E a vida do midiota, como sabemos, se resume a fugir de coisas complicadas.

Acontece que alguns setores poderosos afetados pela crise internacional, como o agronegócio, a indústria paulista e as grandes empresas de comunicação, sonham com um novo Proer especialmente desenhado para eles.

Mas para isso precisam de um governo mais simpático ao capitalismo sem risco – ou melhor, àquele capitalismo de vinte anos atrás em que o lucro era privado e o prejuízo é público.

Ah, eles precisam principalmente da torcida organizada dos midiotas.

 

Para ler: De onde tirar o dinheiro para a educação? 

Para ler: Os bancos e o direito do consumidor – artigo sobre abusos no “spread” bancário.

Para ver:

*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”


Comentários

2 respostas para “Manual do perfeito midiota – 8”

  1. O autor esqueceu de mencionar que os bancos privados estão lucrando muito mais que há 20 anos, recordes de lucro. Qual ação foi feita no últimos 20 anos contra isso?

  2. Parece que o assunto é interessante, mas pelo que o autor menciona aqui, infelizmente, está mais de 20 atrasado… Que coisa, não???
    É, infelizmente é uma pena… tamanho conhecimento e um assunto tão interessante, ser deixado de lado, e somente 20 anos após “alguém” comenta e descobre o “furo” de reportagem.
    Parece aqui, que nem a torcida organizada “dos midiotas” (segundo o autor no texto), ajuda ou pode salvar o Brasil… arghhhhhhh!!!

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