Um slogan me fez lembrar o que não se deveria esquecer, que a Palestina é a terra do Natal.
Uma sequência de imagens convidava, justamente, a imaginar como seria o Natal na terra do Natal para seus habitantes históricos, e a comparar com o que aconteceria em outros lugares quaisquer.
Lado a lado eram contrapostas as cenas de celebração e de brilho e aquelas outras de destruição e de olhos de crianças desprovidos de brilho.
Duas personagens de um romance para ler nas férias lembram, talvez não sem algum ceticismo, que evocar o Natal atrai quase que necessariamente a frase paz na terra aos homens de boa vontade.
Não sei se por falta desses homens ou dessa boa vontade, mas não é paz que o Natal promete à Palestina.
A tragédia palestina tem já traços conhecidos, familiares. É um rosto tão machucado, cujas feridas nos foram expostas tantas vezes, que já não queremos olhar para ele. Ou pior, já não o notamos quando cruza agonizando o nosso caminho.
Não há nada, ou quase nada, de novo. Trata-se apenas de uma contabilidade incremental da desgraça: mais mortes, mais expulsões, mais casas demolidas, mais colônias e assentamentos, mais discriminação…
Nos últimos tempos, um fenômeno apenas parece nos convidar a olhar de novo para a Palestina e ficar de novo perplexo.
Vários jovens palestinos, outros menos jovens, algumas mulheres, no mais das vezes agindo sozinhos, com base numa decisão que é ela também tomada solitariamente, sem a inspiração ou a instigação de lideranças de qualquer natureza, sem qualquer motivação religiosa, tomam de uma faca de cozinha ou do volante de um carro e atacam soldados ou colonos israelenses.
O resultado, invariavelmente, é que soldados e colonos ficam feridos e o palestino ou a palestina morre. Essa morte não é apenas previsível, ela é praticamente certa e conhecida de antemão.
Quando essas notícias nos chegam, se prestamos alguma atenção a elas, a nossa tendência é a de condenar os palestinos que se comportam assim. Ou bem o fazemos porque, compreensivelmente, não sabemos simpatizar com esta violência que, montada sobre a surpresa, nos parece gratuita. Ou então o fazemos porque percebemos como essa violência que logo será dita terrorista machuca a imagem do palestino e de sua causa.
A pergunta que não fazemos é, no entanto, a única que faria algum sentido: quantas vezes e de que modos terríveis foi ferida a alma desta pessoa que se vê impelida ao gesto de violência impotente que resultará na sua morte? Como é que esta ocupação e esta máquina de humilhação cotidiana assassina a humanidade do sujeito e todas as suas esperanças?
A terra do Natal há muito nos mostra apenas a sua cara reversa, aquela das chagas e da Paixão.
*Salem Nasser é professor de Direito Internacional da FGV Direito SP.
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