“A economia brasileira não cresce porque todo mundo está sem confiança”.
A frase, proferida durante programa de rádio às 12h45 desta quarta-feira, soaria quase como uma cândida obviedade, se não tivesse a autoria de uma colunista que tem se esforçado, desde o início do ano, por minar a confiança dos agentes econômicos. Na semana que se encerra, a mídia tradicional do Brasil colhe os frutos de sua seara macabra: a economia brasileira recuou alguns pontos e os analistas estendem a perspectiva de recuperação para mais um ano, projetando alguma possibilidade de alívio apenas para 2017 ou além.
Que mais? Evidentemente, ganha destaque a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de fazer tramitar um dos pedidos de impeachment da presidente da República.
Também ocupa espaços e tempo na mídia tradicional a revolta dos estudantes cujas escolas estão sendo fechadas por decisão do governador de São Paulo.
Paralelamente, vai desaparecendo do noticiário o assassinato de cinco jovens por policiais militares no Rio de Janeiro.
Em todos esses eventos, e nos demais assuntos que a imprensa traz à agenda pública, pode-se observar uma nova característica no processo de desconstrução moral do jornalismo que domina as audiências e a influência sobre as instituições nacionais. Trata-se da perda do sentido de continuidade no processo da notícia, o que afeta diretamente o valor ético da atividade jornalística.
Então, vejamos o primeiro caso: a comentarista em questão, figura quase onipresente na maior rede de comunicação do País, estava se referindo a um banqueiro que foi preso sob suspeita de haver participado de plano para tumultuar as investigações da Operação Lava-Jato. Observe-se que a jornalista pontifica diariamente em programas de rádio e TV, além de produzir sua coluna semanal, costumeiramente destacando os aspectos mais negativos do cenário econômico. Faz dupla com outro analista, que conduz um programa chamado “Economia de quarta” – título que dispensa comentários.
O que caracteriza esses e outros luminares do jornalismo econômico é a ênfase no catastrofismo. Por que, então, a colunista vem dizer que a economia não cresce porque as pessoas estão “sem confiança”?
A resposta é simples: ao abandonarem o eixo ético do jornalismo, que obriga a buscar a objetividade e a coerência, esses protagonistas da imprensa hegemônica entram na espiral da esquizofrenia – e essa é também a explicação para o tratamento diferenciado que se dá a atores dos escândalos de corrupção, como se vê na leniência com que é tratada a saga do deputado Eduardo Cunha para escapar da Justiça.
Quanto ao movimento dos estudantes paulistas, que defendem seu direito a estudar em escolas próximas de suas casas, observa-se a cautela com que a mídia tradicional preserva o governador de São Paulo. Nenhuma referência ao fato de Geraldo Alckmin ter destruído, logo depois de tomar posse em seu primeiro mandato, o projeto de reforma elaborado pela educadora Rose Neubauer para o falecido governador Mario Covas. Na época, a oposição, liderada pelo Partido dos Trabalhadores, mobilizou os professores para combater o programa, mas ele foi levado adiante, com a construção de centros de formação profissional em várias regiões do Estado. A imprensa tratou superficialmente dos aspectos políticos da reforma, ressaltou apenas os pontos controversos e não colocou em debate a proposta de Covas.
A posse de Alckmin coincidiu com o início da campanha eleitoral de 2002, e ele foi convencido a produzir duas ações cruciais para não prejudicar seu partido: o fim dos motins nas prisões paulistas, objetivo que foi alcançado com o assassinato dos líderes de facções rivais, mas deixou livre para crescer a mais poderosa delas, o PCC – Primeiro Comando da Capital; e a interrupção do projeto de Rose Neubauer, que foi substituído pela “pedagogia do amor”, criação de seu substituto, Gabriel Chalita.
A rigor, Alckmin não chegou a governar São Paulo. As obras do metrô estão atrasadas dez anos, sob denúncias de corrupção que a imprensa esqueceu, o crime organizado tiraniza centenas de milhares de moradores dos bairros pobres, e a escola pública paulista enfrenta a pior crise de sua história.
Por último, observe-se como a imprensa brasileira abandona rapidamente os eventos que têm como vítimas os estratos mais pobres da população.
São Paulo é a terra das chacinas, e nenhuma delas permanece no noticiário por mais de cinco dias. Os crimes cometidos pela polícia do Rio, claramente despreparada para lidar com o programa de ocupação das favelas, também não suscitam o interesse dos jornalistas por longo prazo.
Qual seria a razão? – Pode-se afirmar que a mídia tradicional do Brasil esgotou sua capacidade de propor um projeto de nação. Os avanços sociais da última década projetam um futuro inadmissível para os donos do poder arbitrário ao qual serve o jornalismo institucional.
Os erros e vícios dos governos petistas – principalmente a falta de coerência ética e ideológica de seus líderes – fornecem justificativas para essa cruzada contra tudo que lembre políticas progressistas. Mas apenas uma razão no meio dessa cumplicidade explica as escolhas da imprensa hegemônica: ela está dominada por uma ideologia que tem ojeriza à modernidade e à democracia.
A diversidade está em outro lugar, nas iniciativas de pessoas que aprenderam a ler criticamente o noticiário predominante nos meios de massa. É nesses espaços alternativos das mídias digitais que o cidadão consciente resiste ao assédio de um jornalismo panfletário e irresponsável, que produz o desânimo e o catastrofismo pateticamente denunciado por uma de suas principais ativistas. Apesar das reservas que muitos alimentam quanto aos novos meios de comunicação e às redes sociais, é nesse ambiente de mais ampla autonomia que se abriga o jornalismo ausente na mídia tradicional.
*Jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”
(Para ler: “O Big Bang das mídias digitais: uma possível Tecnologia da Libertação”, de LMC)
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