Ontem, 24h após ficar fora do Facebook, assim que vi a campanha #MeuAmigoSecreto predominar na timeline de minha página pessoal, sem refletir, cai na tentação do imediatismo opinativo que tem predominado na redes sociais e condenei alguns depoimentos que li, por julgar que havia neles indiretas vexatórias.
Continuo a julgar supérfluos os posts que me levaram a essa observação rasa, provavelmente por ter identificado quatro ou cinco pessoas delatadas indiretamente e julgar que o pitaco não necessariamente tinha a ver com questões feministas ou de gênero, tratava-se de lavagem de roupa suja e, portanto, poderia ter sido manifestado tête-à-tête .
Complementei o post com uma velha canção de Jorge Ben Jor cujo refrão afirma “quem cochicha o rabo espicha”. Sintomaticamente, apesar de algumas amigas terem curtido o post e até manifestado empatia com minha opinião no campo de comentários, a curtição foi majoritariamente masculina. O único homem que condenou o post, o amigo Leandro Cunha, foi certeiro: “Brother, nem todas as pessoas podiam ou podem falar na cara. Para muitas meninas isso é até questão de sobrevivência ou de manter o emprego”, disse ele. A amiga Marina Tavares, a primeira a condenar meu post, ainda teve a gentileza de se desculpar com um “lá vem textão”, antes de “desenhar” a estupidez de meu comentário. “São muitos os casos e maiores ainda as especificidades de cada um. A coisa pode parecer mimimi, picuinhagem, indiretinha, mas quando se trata de violência contra a mulher (física, psicológica, emocional, financeira), pode ter certeza que respirar fundo e colocar pra fora é um puta avanço”, disse Marina.
Vinte e quatro horas após o episódio visto a carapuça e reconheço que minha consideração foi extremamente infeliz e séria candidata a ser rotulada com a #MeuAmigoSecreto. Afinal, ao tentar fazer com que minha opinião fosse considerada, joguei o velho jogo do protagonismo masculino.
Não cabe a nós, homens, julgar algo que diz respeito a terrível condição feminina em nosso País. No Brasil, cerca de 5 mil mulheres são assassinadas ano após ano. No Brasil, no mesmo período de tempo, cerca de 50 mil estupros são registrados por aquelas que têm coragem de fazer tal relato. Mas o que isso tem a ver comigo, com você e com a #MeuAmigoSecreto?! Tudo a ver, amigos. Por trás dessas estatísticas assombrosas estão comportamentos nocivos que replicamos diariamente sem que percebamos. Pior, até os ensinamos simbioticamente a nossos filhos. Sou pai de um menino de 13 anos, Davi, e sei do meu compromisso em fazer dele um homem livre desse estatuto secular de opressão masculina.
Como jornalista e, portanto, formador de opinião, utilizo o espaço desta coluna para tornar público meu pedido de desculpas a todas as amigas da minha rede de contatos no Facebook, e também pedir a você, caro leitor, que reflita sobre a importância de movimentações como essa.
Aproveito o ensejo para listar dez coisas horríveis que sei sobre mim:
1) Já fiz de minhas conquistas furtivas motivo de cabotinagem entre meus amigos.
2) Já fui vil, em comentários e atitudes, quando terminei relações mais duradouras.
3) Já fui ao encontro de uma ex-namorada, de forma invasiva, sem que ela soubesse, ao saber que ela estaria em determinado local.
4) Já enviei mensagens in box, estupidamente galanteadoras, para garotas que sequer conhecia pessoalmente.
5) Já ignorei comentários machistas de amigos quando devia tê-los repreendido.
6) Nunca cantei mulheres na rua, mas excedi olhares que, depois percebi, eram sintomáticos da prática cotidiana de objetificar o corpo da mulher.
7) Movido pela presunção misógina de superioridade intelectual, já falei mais do que devia em rodas de conversas entre amigos e sufoquei a opinião de parceiras.
8) Já trai, e me senti estupidamente poderoso por causa disso quando confidenciei a aventura para um ou outro amigo.
9) Já curti excessivamente posts de mulheres pelas quais tinha a intenção de me aproximar.
10) Oito anos atrás, após o fim de um relacionamento duradouro, em meio a uma balada e durante uma discussão, tive a capacidade de jogar um copo de cerveja sobre uma ex-parceira.
Ilustro esse texto com uma foto de Mário Lago porque, nesta quinta-feira, ele completaria 104 anos. Claro, faço desse fato uma alusão à famosa canção Ai, Que Saudades da Amélia. Reza a lenda, o samba de Ataulfo Alves letrado por Mário foi inspirado em uma empregada doméstica que tinha nove filhos e fazia “tudo” por seu homem. A música foi composta em 1941. No atual momento de difusão do feminismo em nosso País, Mário e Ataulfo certamente teriam sido sabatinados e condenados nas redes sociais pelo conteúdo extremamente misógino da composição. Perceberiam que, em pleno Século 21, não cabe a nós, homens, definir o que é ser “mulher de verdade”.
Espero que esse texto possa contribuir para que outros homens reconheçam atitudes condenáveis que continuam a praticar. Não acho que teremos a ousadia de criar uma hashtag como, por exemplo, #DezCoisasHorríveisQueSeiSobreMim, mas torço para que esse levante de visibilidade do que há de pior em nós nos faça refletir e evoluir. Que a autocrítica esteja conosco!
P.s.: Meu constrangimento foi ainda maior ao descobrir que justamente ontem foi Dia Internacional Pela Não Violência à Mulher. Soube disso pelo excelente texto Lugar de Mulher é na Cozinha. Né, não?, da amiga Fernanda Cirenza que, aliás, mantém no site da Brasileiros a coluna Mulherio.
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