Na manhã desta sexta-feira (18), depois de quase 40 horas de interdição parcial da Avenida Paulista, promovida por um grupo diminuto de manifestantes que decidiu acampar no quarteirão da Fiesp, desde a noite de quarta-feira (16), para defender o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a Tropa de Choque da Polícia Militar foi acionada para liberar a via, uma das mais importantes da capital paulista.
Àqueles que acompanham os protestos que ocorrem na metrópole desde as marchas de junho de 2013, duas impressões saltaram aos olhos, a morosidade com que a medida foi delegada pelo governador Geraldo Alckmin à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo – SSP, e a forma branda com que os manifestantes foram retirados do coração financeiro de São Paulo. Basta lembrar que em 12 de janeiro último, durante o segundo ato do Movimento Passe Livre – MPL contra o aumento das tarifas do transporte público, os manifestantes nem sequer puderam dar início ao protesto porque, em questão de minutos, a Polícia Militar adotou ação de extrema violência, que resultou em 28 feridos encaminhados aos hospitais do entorno, registrada pela foto-jornalista Helena Wolfenson no vídeo abaixo.
notícias de uma guerra
Publicado por Helena Wolfenson em Terça, 12 de janeiro de 2016
A ocupação da Paulista foi deflagrada na noite de quarta-feira, logo após o vazamento para a grande imprensa de conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, anunciado, no mesmo dia, como novo ministro da Casa Civil. O efeito do grampo autorizado pelo juiz Sergio Moro, ilegal para alguns especialistas (entenda porque, em entrevista com o jurista Dalmo Dallari), foi imediato. Com a divulgação maciça dos telejornais da TV aberta, cidadãos insatisfeitos com o governo federal promoveram panelaços e foram às ruas de São Paulo e de 14 estados do País. Na Paulista, que dá acesso a diversos hospitais, permaneceram obstruindo o trânsito por exatas 36 horas. A despeito do tempo recorde da manifestação, pela primeira vez em anos, a reação da Tropa de Choque paulista foi repelir o grupo pró-impeachment com jatos d’água disparados de caminhões da corporação, refrescantes, dirão alguns, para a manhã quente desta sexta-feira de final de Verão.
Na dinâmica com que a narrativa de polarização ideológica divide o País nos últimos anos, fica difícil reter na memória alguns episódios recentes, mas vale recordar arbitrariedades policiais cometidas contra o direito à livre manifestação, assegurado pela Carta Magna de 1988. Desde as marchas de junho de 2013, Brasileiros publica reportagens que evidenciam a desproporcionalidade do uso da força militar entre protestos progressistas e conservadores, marchas pró e contra o governo federal.
Em uma dessas reportagens, publicada na edição 102, de fevereiro de 2016, com o título Democracia e Repressão, abordamos os excessos cometidos pela Polícia Militar de São Paulo durante as recentes manifestações do Movimento Passe Livre (MPL). A ação repressiva, foi muitas vezes justificada pela SSP com o amparo da Constituição Federal, argumentação contestada em entrevista por Conrado Hubner Mendes, especialista em Direito Constitucional, professor da Faculdade de Direito da USP, doutor em Ciência Política pela USP e doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo, na Escócia. Leia a seguir alguns depoimentos contundentes de Mendes. A entrevista completa pode ser lida aqui.
“A polícia (de SP) tem recebido licença para bater, assim como tem licença para matar nas periferias, licença de fato, não de direito. Para matar nas periferias, recorre-se ao ‘auto de resistência’. Para brutalizar nos protestos, invoca-se o vandalismo. Essa imunidade policial, no final das contas, prejudica a todos. E quando o governador (Geraldo Alckmin) se apressa em defender e celebrar a polícia antes de examinar o que aconteceu, mesmo diante das imagens das ruas, ele sinaliza que a imunidade policial está firme e forte, e assim vai continuar.”
“A atuação da PM é arbitrária, violenta e ocorre sob as barbas do governador, que não está disposto a assumir responsabilidades ou admitir qualquer deslize policial. Há uma nuvem ideológica que nos impede de discutir, de maneira racional, o direito ao protesto e o papel da polícia. Pode-se discordar da causa que motiva o protesto, pode-se também discordar da forma pela qual protestam, mas não deveríamos deixar isso ofuscar a desproporcionalidade da força usada pela polícia. A truculência policial não só não é necessária para controlar protestos, como não é autorizada pelo direito nem é eficiente. Dar carta branca à PM simplesmente porque o protesto não lhe agrada é um tiro no pé. Mas do governo a PM recebe isso: carta branca.”
“Quando lhe perguntam se a atuação da PM foi adequada, o governador sempre diz algo assim: ‘São inaceitáveis os atos de vandalismo e a destruição de patrimônio público’. Ele não dá sequer o benefício da dúvida. Esse tipo de frase tem servido como mantra hipnótico, que perpetua o entorpecimento coletivo.”
Em tempo: desde sua criação, em julho de 2007, Brasileiros sempre defendeu o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos, portanto independentemente de cores ideológicas ou partidárias rechaçamos qualquer forma de repressão ao direito à livre manifestação no País.
A propósito, na tarde desta sexta-feira, movimentos sociais e milhares de cidadãos se reunirão na Avenida Paulista e na Praça da Sé para realizar um ato em defesa da democracia e da legalidade. A tensão social, impulsionada com os episódios recentes, é crescente, mas torcemos para que prevaleçam o bom senso e o espírito de coexistência pacífica que impera no País desde a redemocratização, após 21 anos de cerceamento da liberdade de expressão.
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Em 13 de junho e 2013, dia em que houve a maior repressão da PM entre as marchas daquele ano, Luiza Sigulem, foto-jornalista da Brasileiros, foi rendida de forma truculenta pela corporação. Durante a ação, a câmera da fotógrafa registrou os excessos, de forma involuntária. Veja o vídeo.
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