Foi encontrado morto ontem, 5.1, em seu apartamento em Guratiba, zona oeste do Rio de Janeiro, aos 62 anos, o ator Antônio Pompêo. A causa da morte ainda não foi constatada pelos peritos do Instituto Médico Legal, mas vizinhos supõem que o ator perdeu a vida no domingo, 3.1.
Militante do Movimento Negro e um dos atores negros de maior visibilidade na TV aberta e no cinema do País, Pompêo foi diretor de Promoção, Estudos, Pesquisas e Divulgação da Cultura Afro Brasileira da Fundação Palmares e participou de filmes importantes como Se Segura, Malandro, de Hugo Carvana, Quilombo e Xica da Silva, ambos de Cacá Diegues, e de novelas de sucesso como Mulheres de Areia, Pedra Sobre Pedra e O Rei do Gado. Seu último trabalho televisivo, o folhetim Balacobaco, da Rede Record, foi ao ar em 2012.
Ex-namorada de Pompêo, com quem contracenou em diversas produções (em Quilombo, interpretaram o casal Zumbi e Dandara, símbolos da luta dos negros do País por igualdade racial) a atriz e cantora Zezé Motta desabafou na manhã desta quarta-feira, 6.1, em sua página no Facebook: “Pompêo foi um grande ator, mal aproveitado. Não teve o reconhecimento que merecia e acho que morreu de tristeza. Tínhamos uma relação que não tinha nome. Eu era namorada, mãe, madrinha, tudo ao mesmo tempo. Pompêo foi um grande amigo, companheiro, irmão… Meu amigo estava recluso, deprimido com a falta de oportunidades de trabalho… Essa é a realidade” (veja o post abaixo).
A ausência de perspectivas profissionais em veículos de comunicação de grande visibilidade, como afirma Zezé, é sintomática do racismo velado que existe nas grandes emissoras de TV do Brasil, também visível no âmbito da propaganda. Segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010, 50,7% da população do País é preta ou parda. No entanto, em pleno ano de 2016, essa condição demográfica majoritária é praticamente invisível nas produções televisivas e nas peças publicitárias que circulam na TV e nos veículos da mídia impressa.
Em entrevista recente à Brasileiros (leia), o ator Lázaro Ramos – que foi capa de nossa primeira edição em reportagem que, justamente, discutia o racismo no País – atribuiu ao seriado Mister Brau, do qual é protagonista, um papel divisor na história da TV brasileira. “A maneira como eles se vestem (Brau e sua mulher, Michelle, interpretada pela atriz e esposa de Lázaro, Taís Araújo), por exemplo, é uma releitura do que a moda africana mostrou e tem mostrado para o mundo. São pessoas de origem popular, mas que tem conhecimento da estética afro e fazem disso uma coisa pop. Acho um passo importante, porque também é uma atitude de afirmação racial. Os personagens sabem da sua origem, gostam da sua origem e não tem o menor problema em propagar essa origem. Isso vale para tudo: a cor da pele, o fato de eles virem do bairro de Madureira ou a maneira intensa com que eles festejam. Eles têm muita autoestima. Mister Brau tem o ineditismo de ser o primeiro seriado da TV brasileira protagonizado por dois negros que são ricos”, afirmou Lázaro.
Antes de ter essa conversa com o ator, confesso, não havia assistido nenhum episódio de Mister Brau. Vi o mais recente deles, que foi ao ar no final de dezembro de 2015, e pude constatar que o discurso de Lázaro não era mera retórica. A trama daquele capítulo se desenvolveu a partir do momento em que Brau, diante da portaria do condomínio de alto padrão em que reside, foi abordado por um homem branco, um juiz, que estaciona seu veículo de luxo e lhe entrega as chaves com a suposição de que o jovem negro era manobrista do condomínio. Astuto, em represália ao gesto racista, Brau confisca o automóvel na garagem de sua mansão e arma um circo midiático para devolver o carrão: convoca a imprensa e expõe o dono do bólido ao constrangimento de admitir, ao vivo e em cores, que teve uma atitude racista deflagrada pelo automatismo de um preconceito cotidiano.
Ontem, na mesma rede social em que Zezé manifestou sua desolação por ter visto o amigo Antônio definhar por falta de perspectivas profissionais, repercutiram outras manifestações do racismo nosso de cada dia. Da capital mineira, Belo Horizonte, veio o relato da jornalista e publicitária Etiene Martins. Em uma loja da rede de supermercados Dia, ela teria sido abordada por um segurança que condicionou seu ingresso no estabelecimento somente após deixar sua bolsa no guarda-volumes instalado metros antes da catraca que dá acesso a loja. Segundo Etiene, que é editora-chefe do Jornal Afronta, veículo voltado a comunidade negra, enquanto ela discutia com o segurança o porquê da distinção entre ela e clientes brancos que adentravam a loja com sacolas e bolsas, ouviu do funcionário que ela era “o tipo de gente que rouba o Dia” (leia o relato na íntegra). A confusão terminou em uma delegacia, com a presença da gerente da loja.
Outro caso que viralizou nesta terça-feira foi o embate entre o grupo de rap carioca Vagabonde e os coletivos Levante Negro, Frener – Frente Negra de Erradicação do Racismo e Afroguerrilha. No videoclipe do rap Fome, divulgado na página do Facebook do grupo formado por jovens brancos, de classe-média, um dos MCs do Vagabonde dispara os seguintes versos: “Ele é playboy e não pode fazer rap / Eles tentam me excluir simplesmente por não ser preto / Eles querem me oprimir só porque não nasci no gueto”. Detalhe: o denunciante da opressão tem a pele pintada de preto, valendo-se do blackface, gênero teatral criado no final do século 19, em que atores brancos se travestiam de negros, com roupas e pinturas, para disseminar piadas racistas.
Em 2015, A utilização de tal recurso em um quadro do programa Pânico, da Rede Bandeirantes de TV, colocou o humorista Eduardo Sterblitch em uma tremenda saia justa (relembre o caso). Como no epsiódio do Pânico, a pressão conjunta do Levante Negro, Frener e Afroguerrilha, difundida na internet, fez com que os integrantes do Vagabonde retirassem o conteúdo do ar e publicassem um pedido formal de desculpas. “Nós do coletivo VAGABONDE viemos por meio dessa nos retratar aos pretos com o blackface contido em nosso clipe. O conteúdo é uma arma racista e foi integrado ao clipe sem a intenção que tivesse essa conotação (SIM, ERRAMOS). Não queríamos causar esse desconforto em ‘nossa comunidade preta’.”
Curioso é notar a falta de conhecimento da própria história do Hip-Hop brasileiro por parte dos jovens cariocas. Desde os primórdios do movimento no País, o convívio entre negros e brancos no ambiente do rap sempre foi pacífico. Basta dizer que, em 1987, um dos primeiros grupos do gênero, o Gueto, da zona norte de São Paulo e formado por brancos, lançou o álbum de estreia Estação Primeira, cuja letra, que nomina o LP, contém o verso inicial “Break, black, branco, afro-brasileiro, sou funk, hip-hop, estação primeira” (ouça Estação Primeira).
Ontem também repercutiu no Facebook um desabafo contundente de Douglas Belchior (jornalista que mantém no site da revista Carta Capital o blog Negro Belchior) motivado por uma reportagem exibida horas antes no Jornal Nacional, da Rede Globo, que denunciava ações criminosas supostamente cometidas por menores de idade na zona sul do Rio de Janeiro. Leia abaixo.
Constrangedor é perceber que na grade de atrações da mesma emissora carioca, a despeito do ineditismo de Mister Brau, parece não haver espaço para talentos como os veteranos Ruth de Souza, Milton Gonçalves e Antônio Pitanga. Na atual novela das 21h, A Regra do Jogo, perceba, os negros ali representados são estereotipados como empregados domésticos, objeto sexual ou funkeiros acéfalos. Toni Tornado, que outrora cantou em Sou Negro, Sim “o meu caráter não está na minha cor” (ouça), aos 85 anos, tem de dispensar seu enorme talento dramático em papeis secundários do Zorra Total, humorístico semanal célebre por não fazer rir.
Ídolo maior da negritude brasileira no âmbito da música popular, Jorge Ben Jor lançou seu segundo álbum, Sacundin Ben Samba, há mais de meio século, em 1964. Não Desanima, João, canção que encerra o sucessor de Samba Esquema Novo (leia reportagem em homenagem aos 50 anos do álbum), traz os seguintes versos – uma dica para a juventude preta daquele período: “Não, não, desanima não, viu João / Pois você é um menino que já não precisa mais sofrer, pois a lei do ventre livre veio lhe salvar / Preto velho, sim, está cansado, precisa descansar”.
Que Antônio Pompêo tenha o descanso dos justos. E que os irmãos que enfrentam o dia a dia desse racismo cordial, sobretudo a juventude aguerrida articulada em âmbito nacional na internet, não desanimem jamais. Luta diária que segue.
MAIS
Ouça Não Desanima, João
A íntegra do filme Quilombo, de Cacá Diegues, está disponível no Youtube. Além de Antônio Pompêo e Zezé Motta, o longa-metragem também inclui no elenco outros ícones da negritude brasileira, entre eles Grande Otelo, Zózimo Bulbul, Aniceto do Império, Dona Zica, Antonio Pitanga e Tony Tornado. Veja o filme.
Comentários
5 respostas para “A morte de Antônio Pompêo e o racismo nosso de cada dia”
O racismo esta dentro de cada um de nós. Enquanto vivermos para agradar aos outros seremos capazes de várias atrocidades; inclusive a de morrer de tristezas…
Importa é olhar para dentro de si, e viver para si procurando fazer sempre tudo certo porque esta é a nossa meta. A cor da pele…O que importa? Onde esta a diferença se somos filhos de um único pai? Deus. Ele nos fez como Lhe aprouve.
Não temos que lutar para ser igual a ninguém. Temos que ser nós mesmo dentro dos preceito natural a “VIDA”. Ela sim; ela é o que importa. O resto nós construimos. (:
Racismo>>> ultimamente tem se falado muito sobre esse assunto né gente.
Mas só falar e virar notícia e denunciar parece que não está resolvendo muito não, gente. O racismo só vai acabar quando nós negros pararmos de nos ofender e de nos sentirmos vítimas, a liberdade já nos foi dada com Abolição da Escravatura, falta a gente entender isso na nossa mente, não somos menos que os brancos, respiramos o mesmo ar, nosso grau de inteligência não é diferente do branco, saímos na desvantagem por questões culturais e financeiras pois eles só estão a nossa frente pelo fato de nossos antepassados terem sido acorrentados e impedidos de pensar, raciocinar infelizmente isso nos foi roubado lá atrás, mas é Passado.
O racismo só vai ter fim o dia em que deixarmos de ser vítimas, o dia em que nossa Auto Estima estiver inabalável por qualquer ato preconceituoso, tudo isso dói e muito mas até quando VAI DOER? até quando vai isso?
Na minha opinião o racismo está ULTRAPASSADO ,sinto pena de uma mente que se acha melhor por ter a cor da pele mais clara, são pessoas ignorantes que não agregam valores na sociedade.
Cadê os NEGROS EMPRESÁRIOS do páis para colocar outro negro em sua campanha publicitária? Cadê os NEGROS PRODUTORES,DIRETORES,CINEASTAS,ROTEIRISTAS para inserir os atores negros em seriados,novelas, filmes? Cadê os atores NEGROS para incentivar os outros negros? Os artistas tem o poder de incentivar,representar.
A mesma criatividade que o branco tem o negro também. Está aí o Lázaro Ramos que está mostrando isso….
Chega de racismo gente a liberdade já nos foi dada, vamos libertar nossas mentes… e lutar por igualdade…O que nós precismos é de ESTUDO< CULTURA <LEITURA< CRIATIVIDADE <UNIÂO E RESPEITO.
Só o chico rouan… ops , buarque pode fazer black face?
Bom dia!
Deixo aqui de concordar com o texto. Na década de 80 trabalhei com Pompêo, Graça Lago e Paulão na realização de diversas edições da Semana Afro. Conheci bem a personalidade de ambos. Ficamos amigos e muito irmãos. Pompêo sempre mais distante. Pessoa extremamente sensível sob qualquer aspecto, por isso multifuncional, atuava em várias esferas conseguindo sempre ultrapassar barreiras raciais e não. Aquariano autêntico só fazia o que acreditava. Muitas frustrações sim. Fiquei longos anos sem encontrá-lo. Encontrei recentemente na Fundição Progresso, quando desfrutamos de alguns minutos alegres, como sempre. Sei que esse tempo andou fora da mídia mas trabalhando em outros setores. Penso ser reducionista aliar sua morte a um tratamento racista. Sem confirmação mas ele não era totalmente saudável. E o que consta, ele teve um infarto fulminante.
É a perda de um ser brilhante! Mas essa batalha do racismo ele já tinha resolvido dentro dele, com certeza!
Grato,
Isto é apenas uma opinião. Depois de vários anos escutando lamentações sobre preconceito e discriminação racial, velado ou descarado, parabenizo todas as pessoas que denunciam tal realidade. Por outro lado, gostaria de sugerir outra forma de combate que julgo ser mais eficiente: que os negros deste país se mobilizassem para abrir empreendimentos (no cinema, teatro, esporte, supermercados, indústrias, etc) de modo a tornarem-se uma classe média forte e influente. Essa classe seria essencial para criar riqueza e programas de ajuda para outros negros nessa caminhada que começou lá na abolição da escravidão. Parece-me que os negros americanos estão bastante avançados. Podíamos aprender com eles. Enquanto continuarmos pobres, seremos esculhambados! Pretos e Pobres!!!Estamos no Brasil e devemos aproveitar o sistema capitalista a nosso favor. Vamos entrar nos negócios e daqui a 30 anos, nossos netos estarão em outro patamar que os racistas encontrarão dificuldades para nos pisarem! Isto é uma mera opinião, não alguma verdade! Um abraço. Daqui a 30 anos estaremos ainda nos lamentando ou seremos ricos e bem tratados como cidadãos deste Brasil!