Quando souberam que, na noite de ontem (4), o ministro do STF, Teori Zavascki, concedeu liminar que determina o afastamento imediato de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do cargo de deputado federal e da presidência da Câmara, milhões de brasileiros, ao acordar na manhã desta quinta-feira (5), devem ter soltado o grito de “até que enfim!”. Muita calma nessa hora, dirão os mais prudentes.
Motivos para guardar os rojões na gaveta e estancar na garganta o grito de “aleluia!”, há de sobra. Afinal, entre 01 de fevereiro de 2015, dia de eleição de Cunha à presidência da Câmara em primeiro turno, com 267 votos, e esta quinta-feira, os estragos causados pelo deputado são incalculáveis. O mais caro deles: a condução do País a um retrocesso democrático com gosto amargo de 31 de março de 1964.
Na coletiva de imprensa concedida depois de ter alcançado o posto máximo da Câmara, Cunha afirmou que o parlamento reagiu, no voto, à tentativa do governo de Dilma Rousseff de impedir sua vitória, mas que, no entanto, do “episódio virado”, não faria “nenhum tipo de batalha”. Exercitando sua emblemática retórica, concluiu: “Aqui (a Câmara dos Deputados) é palco de exercer os grandes debates que a Casa precisa e vai fazer. Nunca, em nenhum momento, falamos que seríamos oposição. Não falamos também que seríamos submissos”.
Desde então, faltou página virada e sobrou insubmissão. A cruzada anti-governista de Cunha ganhou tons de épico hollywoodiano com requintes de filme de terror e de suspense. Um misto de E O Vento Levou, pela epopeia, Sexta-Feira 13, pela invencibilidade do protagonista, e Cabo do Medo, pela sanha vingativa.
Nos 455 dias em que esteve na cadeira da presidência da Câmara – permanência que “cheirava a enxofre”, segundo o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que também chamou Cunha de “gangster” durante a vexatória votação do impeachment na mesma Casa, em 17 de abril – o deputado carioca, para a usar uma analogia popular, sambou na cara da sociedade. Ao invés dos grandes debates, prometidos por ele após a eleição, o que vimos foram 455 dias de pequenez grotesca e conduções quase que exclusivas de pautas de seus interesses, de seus aliados e da tríade BBB – as chamadas bancadas da Bíblia, da Bala e do Boi – que o deputado representava com afinco.
Veja o vídeo da votação de Glauber Braga
Parlamentar com maior domínio sobre o regimento interno da Câmara, na opinião de muitos juristas, Cunha surpreende, sobretudo por ser formado em Economia e não em Direito. Determinado, ao longo das últimas duas décadas empreendeu a missão empírica de destrinchar todos os recursos e brechas possíveis do estatuto da Casa, e conquistou tamanha capacidade de utilizar esse conhecimento a seu favor que, por exemplo, esquivou-se por 183 dias do afastamento concretizado hoje pelo STF (a primeira iniciativa de sua deposição foi a constituição, em 03 de novembro de 2015, da Comissão de Ética que julgaria o processo).
Nesse ínterim agônico dos 455 dias da Era Cunha, em que as instituições do País foram esfacelando e direitos civis retrocedendo, com transmissão ao vivo e em cores, de um sórdido circo midiático na TV, na internet e nos veículos impressos, a liminar expedida hoje por Teori Zavascki, vale lembrar, aguardava a preciosa análise do ministro do STF para o pedido encaminhado pela Procuradoria Geral da República (PGR) em 16 de dezembro de 2015.
Somente na noite de ontem, Zavascki compreendeu o que estava expresso na recomendação da PGR: Cunha usava o cargo de presidente da Câmara para atrapalhar as investigações que correm contra ele. De acordo com o parecer da PGR, o deputado “transformou a Câmara dos Deputados em um balcão de negócios e o seu cargo de deputado em mercancia”.
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Os 11 Motivos de Janot que Afastaram Cunha
Na semana passada, mais de 1,3 milhão de brasileiros, por meio de suas assinaturas virtuais, entregaram no Congresso uma petição com o pedido de cassação do deputado. Atitude coerente para qualquer cidadão que, em vez de retroalimentar o ódio dos telejornais com hidrofobia seletiva em redes sociais, se preste a usar a internet para investigar a vida pregressa de nossos políticos. Quem se presta a esse exercício pode, por exemplo, ter acesso a informação abaixo, sobre Eduardo Cunha, publicada no site Transparência Brasil.
STF – Inquérito nº 3983/2015 – Trata-se de um dos processos da Operação Lava Jato da Policia Federal, que investiga esquema de corrupção e lavagem de dinheiro com recursos desviados da Petrobras. Na denúncia, o Ministério Público Federal acusa o parlamentar de receber propinas para viabilização de contratos entre a estatal e empresas privadas. Parte das propinas teriam sido recebidas por meio da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. O MPF requer, ainda, a restituição aos cofres públicos de R$ 138.680.000,00, montante desviado no esquema, bem como a reparação dos danos causados à Petrobrás e à Administração Pública, na mesma quantia. A denúncia por lavagem de dinheiro e corrupção passiva foi recebida pelo Tribunal.
Diante de evidências tão sortidas e explícitas contra Cunha, fica a dúvida: porque Zavascki não tomou a decisão, expressa ontem, antes da votação da admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que, aliás, não é ré em nenhum processo, ao contrário Cunha?!
Os incautos dirão que o ministro do STF está levando a cabo a faxina que vai salvar o País da corrupção e pode culminar na prisão de Lula, seu filho, Lulinha, ou a presidenta Dilma, mas, no entanto, não aventam a possibilidade da esposa de Cunha, sua filha e o próprio parlamentar ter como fim um passeio a Curitiba com o famigerado “Japonês da Federal”, um dos heróis midiáticos da cruzada anticorrupção – servidor público que, aliás, recentemente teve mantida condenação no STJ por, ora vejam, corrupção.
Já os cautos dirão que o episódio desta manhã – provável alento para o humorista Fábio Porchat, que, dias atrás, publicou coluna em O Estado de S. Paulo com mais de 200 “Fora, Cunha!” – é, na verdade, mais um capítulo do cruzamento de E o Vento Levou, Sexta-Feira 13 e Cabo do Medo, esta superprodução – roteirizada por um sem número de mãos escusas – que está em cartaz desde que 54 milhões de brasileiros cometeram o acinte de reeleger Dilma Rousseff.
Com Waldir Maranhão (PP-M) presidente da Câmara – o deputado é um dos cabeças da chamada “Tropa de Choque de Cunha” e também está indiciado na Operação Lava Jato – e longe dos olhos da imprensa, Eduardo Cunha terá tempo para, na companhia da mulher e da filha, desfrutar a vida abastada que tanto lhe apraz, ao mesmo tempo em que remotamente comandará, nas surdinas do poder, suas centenas de aliados e terá caminho livre para, mesmo distante da cadeira que “cheira a enxofre” continuar a praticar suas afrontas à nossa democracia.
Acreditar que o afastamento de Cunha resultará no fim de sua enorme influência é tão pueril quanto achar que a hegemonia da família Sarney no Maranhão foi capitulada com a aposentadoria do ex-presidente.
Como diria aquele grande filósofo baiano: “Sabe de nada, inocente!”.
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