O Ocidente que se pensa, como Adão, ungido na função de nomear todas as coisas, diverte-se em separar as periferias deste mundo entre Estados párias e Estados “moderados”.
Os primeiros são aqueles não alinhados com o Império. Neles se denuncia a falta de democracia, o desrespeito aos direitos humanos, o patrocínio ao terrorismo; seus líderes são ditadores, criminosos de guerra que não deveriam estar sentados em outras cadeiras que não a dos réus nos tribunais penais internacionais.
Os outros, Estados e governantes, bom, os outros são “moderados”.
O problema é que, um pouco como se fazia em “1984”, de Orwel, de vez em quando a história muda e é reescrita. Lá o suposto novo amigo deixava até mesmo de ter sido um dia inimigo quando os registros do passado eram refeitos.
Talvez não se chegue a tanto entre nós, mas esquecimentos seletivos são frequentes quando os ventos mudam de direção.
Quando foi morto o antigo Primeiro Ministro libanês, Rafik Hariri, em 2005, o governo da Síria foi imediatamente acusado pelo crime. Antecipava-se que responsáveis sírios viriam a ser julgados no tribunal internacional que se projetava criar. O Presidente sírio e o país, que até ali conseguiam se equilibrar num tênue fio, caíram irremediavelmente no campo dos párias.
Acontece que logo se percebeu que no Oriente Médio, e especificamente no Levante Árabe, a Síria era um jogador importante demais para se ignorado e o seu regime suficientemente forte para não poder ser derrubado.
Foi então que, no dizer de um diplomata árabe, os emissários e ministros ocidentais começaram a trombar uns nos outros no aeroporto de Damasco, alguns indo visitar Bashar El Assad e outros voltando da visita.
Eles não entraram de repente no mundo dos “moderados” e “amantes da paz”, mas foram transferidos do inferno para uma espécie de purgatório.
E o mundo virou novamente quando as revoltas no mundo árabe deram de novo esperança aos que queriam se livrar do regime sírio e pária ele virou de novo.
Khadafi conheceu uma gangorra parecida, ainda que cada caso seja um caso. De “cão louco” da África ele passou a parceiro comercial e econômico prestigiado pelos europeus e outros, tendo direito até mesmo a beija-mão por parte de Berlusconi. Bastou para isso que fizesse com eles um acerto sobre o caso Lockerbie, algo mais próximo de uma encenação do que de um assunto de justiça.
Mas o amor durou pouco e apenas alguns meses separaram as cenas românticas dos ataques e bombardeios à Líbia.
Agora, depois de quase quarenta anos jogado no campo dos intocáveis, e apenas porque foi capaz de se provar incontornável, quem acaba de ser içado um pouco para fora das chamas em que ardem os malfeitores é o Irã.
Não está, nem estará tão cedo no círculo dos “moderados”, sobretudo porque não o quer, mas o aeroporto de Teerã começa a testemunhar o desfile de ternos e gravatas.
*Salem Nasser é professor de Direito Internacional da FGV Direito SP.
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