Hoje tive a sorte de ser apresentada a uma música. O colega e jornalista Alex Tajra me deu esse presente. A música se chama “Depósito dos Rejeitados”, de Eduardo Taddeo, que também não conhecia.
Tem uma história que diz que, às vezes, as pessoas precisam levar uma sacudida para ver qua há outros mundos além do dela. Acho que faz todo sentido, só não sei se todas as pessoas conseguem enxergar que está faltando muito em muito lugares. Também não sei se se importam com isso.
Há, atualmente, uma banalização do cuidado com o outro gerado pela própria imprensa, como bem nos lembra a jornalista Maria Carolina Trevisan, do Coletivo Jornalistas Livres, em entrevista à Brasileiros (leia aqui). A banalização pode ser feita por meio da interpretação deturpada, pelo exagero na repetição de imagens agressivas, levadas à saturação em prol do Ibope (leia-se: audiência), pela falta de interesse na periferia, pela simples falta de interesse no outro.
Em que momento mesmo crimes se tornaram o filé da imprensa? E por que mesmo o “preto pobre” continua à mercê da aceitação? É inacreditável que cenas de abandono ou de intolerância sejam menos “pop star” que crimes. A violência é a mesma.
Vai a letra do Eduardo, veja se te toca ou se te irrita!
Material racista da Polícia Militar circula em escolas de Diadema
“Quem sabe se eu tivesse menos melanina
Ou se eu fosse o exemplar da espécie canina
Atenderia de A a Z a todos requisitos
Pra ter no registro nome de pais adotivos
A sete anos vegeto no depósito dos rejeitados
Desde de que me encontraram dentro de um saco plástico
Mesmo sem alimentar balística com FAMAS
Fui condenado aos traumas do abandono de incapaz
Não tô incluso nos dados sobre adotado pretendido
O “x” é na cor branca e no cabelo liso
Casal de boy não quer tá no restaurante jantando
Com polícia colando achando que é sequestro relâmpago
De ir no shopping explicar pro segurança seguindo
“O menino negro tá comigo, num é bandido, é meu filho!”
No máximo eu consigo ser apadrinhado
Por um doador que dá pra ONG alguns centavos
Pro bebê loiro é adoção, direito à infância
Pro negrinho, colaborador mensal à distância
O meu perfil afro só é da hora pra elite
Em companhia da Madonna ou do Brad Pitt
Só sirvo pra ser anexado no projeto
Que angaria verba pública no congresso
Ninguém se importa se eu me cubro com farinha de trigo
Tentando me clarear pra atender racista rico
Eu me sinto produto descartável
Dispensado no depósito dos rejeitados
Esperando alguém pra chamar de pai
Esperando alguém pra chamar de mãe!
Eu me sinto produto descartável
Dispensado no depósito dos rejeitados
Esperando alguém pra chamar de pai
Esperando alguém pra chamar de mãe!
Pelo ECA meu martírio tinha que ser temporário
Não a porra de um vitalício calvário
Em média em um ano um vira lata
Deixa o instituto de zoonose e ganha uma casa
A sociedade se preocupa com bem-estar de cachorro
Mas que se foda se o preterido aqui tá vivo ou morto
Que se foda se ele tá nutrido, sente frio
Se tá fazendo curso preparatório pra fuzil
Cansei de ver as Pajero se afastando do jardim
Levando aqueles que chegaram bem depois de mim
Talvez minha mãe era outra adolescente grávida
Engrossando a estatística vergonhosa da pátria
Outra de libido sexual despertada pela televisão
Que põe criança no pancadão descendo até o chão
Pra deixar de ser um produto na gôndola empoeirando
Já quis pular do telhado, espatifar meu crânio
É foda só saber o que é higiene, carinho, sorriso
Quando o promotor de justiça visita o abrigo
Pro alvará de funcionamento não ser cassado
Nessa data dão banho, perfumam, até dão afago
Que que adianta parede com desenho do momento
Pra que o número da instituição de recolhimento
Pra quem, se igual ao Michael, não se diz pigmentar
Nunca vai tá no carro no adesivo familiar
Eu me sinto produto descartável
Dispensado no depósito dos rejeitados
Esperando alguém pra chamar de pai
Esperando alguém pra chamar de mãe!
Eu me sinto produto descartável
Dispensado no depósito dos rejeitados
Esperando alguém pra chamar de pai
Esperando alguém pra chamar de mãe!
Eu não vou ser outro menor carente brasileiro
Que foi livrado da contenção por um casal estrangeiro
Que com a vida estabilizada adulto retorna
Pra conhecer e ouvir respostas da família biológica
Sou candidato a tá na cracolândia com a pele marcada
Pelo selo de qualidade da Fundação Casa
Quem não recebe sobrenome no RG
Ganha artigos 121 no DVC
Antes queria a família do comercial de margarina
Agora quero vítima pondo sangue pelas narinas
De tanto ouvir: “Que lindo, mas prefiro o outro”
É só ver playboy que eu quero cerrar pescoço
Mano, a criança no reformatório prostituída
É consequência das noites regadas à bebida
A mina que depois de gozar cê mete o pé no rabo
Pode carregar no ventre o próximo desamparado
Cê deu sorte se teve um pai pra te buscar na escola
Pra te por no ombro, te ensinar jogar bola
Uma mãe corrigindo sua lição de casa
Medindo sua febre, ajudando na tabuada
Só sabe quem nunca teve uma família
Que ela vale muito mais que mil mansões com mobílias
Daria contente o meu último suspiro
Se um dia ouvisse a frase “Eu te amo, filho”
Eu me sinto produto descartável
Dispensado no depósito dos rejeitados
Esperando alguém pra chamar de pai
Esperando alguém pra chamar de mãe!
Eu me sinto produto descartável
Dispensado no depósito dos rejeitados
Esperando alguém pra chamar de pai
Esperando alguém pra chamar de mãe!”
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