Quem é o nosso Trump?

O chanceler José Serra com o presidente interino  Michel Temer - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
O chanceler José Serra com o presidente interino Michel Temer – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Com todos os problemas que provoca, a internet ainda é uma coisa maravilhosa. Na madrugada de quarta para quinta-feira, sentado num restaurante em São Paulo, assisti ao vivo, na tela do celular, ao discurso de Barack Obama na convenção do Partido Democrata. Não sei como a tecnologia avançou tão rápido, mas fico feliz que tenha acontecido.

O lado ruim do acesso à informação é que se torna inevitável comparar o que acontece na política americana com o que vemos no Brasil.

Lá, o presidente é Obama, vencedor em duas eleições, o maior orador da sua geração, líder moderno e carismático, cuja história pessoal e cujo comportamento público inspiram jovens no mundo inteiro. Aqui, temos na presidência um homem sem carisma e sem ideias, político menor, que tenta maquiar a imagem de golpista aparecendo com o filho diante das câmeras de TV. Enquanto Obama é autêntico e brilhante, Temer é dissimulado e opaco. Um cativa, o outro constrange.

Tão ruim quanto a falta de um Obama é perceber, no primeiro escalão do governo provisório, a presença de um candidato a Donald Trump.

Na segunda-feira passada, o ministro José Serra, das Relações Exteriores, fez no México um comentário que lembrou as tiradas sexistas do empresário de extrema direita que disputa a presidência dos Estados Unidos pelo partido Republicano.

“Para os políticos homens no Brasil, o México é um perigo, porque descobri que aqui a metade das senadoras é mulher”, disse o chefe da diplomacia brasileira. O que ele pretendia com essa piada ambígua? Só Deus sabe, mas a repercussão foi péssima, e não pela primeira vez. Serra é conhecido pelas gracinhas de mau gosto que dirige às mulheres.

Em dezembro de 2015, durante uma festa em Brasília, a então ministra Kátia Abreu jogou nele uma taça de vinho, depois que Serra, tentando fazer piada, disse que ela era “namoradeira”. A reação foi explicada por ela nas redes sociais. “Todas as mulheres conhecem o eufemismo da expressão ‘namoradeira’”, disse. “As piadas ofensivas dele são recorrentes.” Esta semana, ao saber que o ministro havia repetido a si mesmo, Kátia escreveu no Twitter: “Nunca gostei de gente metida a engraçadinha. Quem fala o que quer ouve o que não quer. Pagou mico no México”.

Além de tratar mulheres de forma esquisita, Serra tem no currículo um episódio de conservadorismo bem ao gosto de Trump. Na campanha presidencial de 2010, ele abriu o segundo turno com uma peça publicitária em que se apresentava como um “cristão contra o aborto”. Naquele momento, Dilma era atacada por religiosos pelas entrevistas em que defendera o direito à interrupção da gravidez.

Dias depois, uma ex-aluna de Mônica Serra revelou no Facebook – e confirmou à Folha de S. Paulo – que a mulher de Serra contara em aula ter feito um aborto no Chile, quando ela e o marido viviam no exílio. Além de ser despudoradamente machista, Trump é conhecido por mentir – e por atacar seus adversários com falsidades.

Em novembro do ano passado, Serra postou no Facebook uma foto da avenida Paulista depois de um temporal – semialagada e deserta – com críticas ao prefeito de São Paulo por ter fechado a via aos automóveis. “Hoje, domingo, fui visitar um amigo que mora perto da avenida Paulista. A avenida foi fechada pelo prefeito, para lazer. E fica vazia, obviamente”. Como a Paulista transborda de gente aos domingos, e os paulistanos adoram a nova área de lazer, Serra e sua foto distorcida viraram alvo de comentários sarcásticos. Dezenas de milhares deles. Foi um tiro no pé – exatamente como fora, em 2004, o documento que Serra assinou se comprometendo a concluir o mandato de prefeito, caso vencesse a eleição em São Paulo. Venceu, mas ficou só dois anos no cargo.

É evidente que Serra não tem o topete ou a fortuna de Trump, e, tanto quanto se saiba, não é de extrema direita. Mas isso não elimina as semelhanças. O que define Trump não é ideologia, mas a personalidade. Ele é vaidoso, arrogante, ofensivo. Sua ambição autoriza que diga e faça qualquer coisa para ser presidente. Sua soberba o torna imprevisível.

No início deste mês, o ministro Serra, contrariando parecer técnico de três funcionários do Itamaraty, renovou o passaporte diplomático de um pastor da Assembleia de Deus acusado pela Lava-Jato de esconder R$ 250 mil em propinas. Embora suspeitos de crime, Samuel Cassio Pereira e sua mulher vão passar pelos aeroportos estrangeiros sem os perrengues que afligem brasileiros normais. Por que Serra lhes concedeu tal privilégio? Não se sabe. Foi uma decisão imperial.

O que define políticos modernos como Obama é a capacidade de operar num ambiente em que vozes de várias procedências se fazem ouvir. Ele lidera pelo consenso, usando autoridade, inteligência e popularidade. A transparência é essencial. O respeito, fundamental. No Brasil, não temos nada semelhante no governo federal.

Temer chegou à presidência como chegou, por meio de um golpe parlamentar ancorado em acusações falsas, e governa comprando favores. Serra, que aspira ser presidente, foi a vanguarda do golpe, ganhou um ministério importante e se comporta no poder como um político dos anos 1950. Nenhum deles tem a grandeza ou o talento de Obama, mas ambos têm muita ambição, como Trump. Pior para nós, brasileiros, que não podemos vê-los à distância, apenas pela internet. 


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