Até o último minuto, antes de enviar a coluna da quinzena para as amigas editoras, sua dúvida persistia. Qual o melhor título: A HUMANIDADE É UM VEXAME ou TRINCHEIRA? Batizar um texto é um ritual muito importante para quem escreve. O primeiro é mais chamativo, vai direto ao ponto, mas, por outro lado, induz o leitor a um juízo de valor, o que não seria prudente. Ele buscava mais uma constatação do que um julgamento. O segundo é menos pessimista, mas também menos chamativo. A ansiedade crescia, tudo pronto, só faltava o nome.
Subitamente lembrou-se do mestre Luis Fernando Veríssimo. Pediram-lhe certa vez para que definisse inspiração. Ele fez cara de tonto por 3 segundos e respondeu: o prazo. Eis que, quase epifania, as ninfas compareceram com o título que batizaria sua vigésima sétima crônica. A sua coluna Seis Sentidos, no site da Brasileiros, completaria um ano naquela edição.
RUMINÂNCIAS DO MINOTAURO pareceu-lhe uma saída honrosa. Deu enter. Pronto, resolvido. Agora é só pensar na próxima.
Imediatamente depois se arrependeu. Deveria ter decidido entre as duas alternativas iniciais. Acovardou-se. Agora já era. Poderia até reservar o presente título para uma edição que reunisse o conjunto da sua obra. Sonoramente vai bem. O Minotauro faria referência ao caráter híbrido da crônica como gênero literário, meio jornalismo, meio ficção. Por demais pomposo para tão modesta produção, ponderou. AGUDAS CRÔNICAS quem sabe. É, mas elas nem são tão agudas assim…Mas tudo isso é forma. O conteúdo, igualmente importante, seria passar para o leitor a ideia de que a humanidade é mesmo um vexame. E demonstrar com 3 breves lembretes – distantes entre si em geografias e momentos históricos – a verdade, inconveniente e inquestionável, desse vexame.
O Ser Humano continua sendo sublime, mas quando junta um punhado deles, bem, aí o risco de descambarmos para o ridículo, e umas tantas vezes, para o trágico, parece aumentar. Essa era a sua convicção.
A razão do seu desconsolo sempre foi o desperdício. Como um bípede inteligente, que é capaz de empatizar, entrar em contato e compreender o sentimento do outro, também pode agir como um touro, partindo para cima do outro como se quadrúpede fosse? Malversação do humano.
Não foi tão difícil ele escolher os 3 lembretes. Os exemplos são numerosos e muito eloquentes.
Lembrete 1: O Nazismo, que por um triz, poderia impedir o cronista de se manifestar, muito antes, de existir, na pior das hipóteses. Na melhor, poderia resultar num velhinho sobrevivente de Treblinka, com um monte de números esdrúxulos tatuados no antebraço. Seus avós fugiram para o Brasil e por aqui aportaram em 1939.
Lembrete 2: As bombas atômicas, de Hiroshima (6 de agosto de 1945, 160 mil mortos) e Nagasaki (9 de agosto de 1945, 40 mil mortos). Obama, o cara, será o primeiro presidente a visitar oficialmente o memorial em homenagem às vítimas dos ataques, no final do mês. Depois de algumas ponderações, o cerimonial norte americano definiu que não haverá um pedido formal de desculpas.
Lembrete 3: João Vitor, 13 anos, abandonado pela mátria, um refugiado urbano que usava o crack para tornar suportável o insuportável, tinha o nome da sua mãe tatuado no antebraço. Foi linchado por um grupo de adultos no último dia 13 de março, na cracolândia. Terra da pedra. Idade da pedra.
As TRINCHEIRAS existem para nos salvar. E para evitar a pior das corrupções, aquela que rouba, sequestra e esquarteja o humano. Ele resolveu então fechar o texto fazendo um elogio à arte, à amizade e ao amor, três breves palavras, cuidadosamente guardadas na cristaleira de seu relicário, como lembretes de resistência.
Ou apenas algumas ruminâncias.
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