“Eles não descobriram nem a metade do que eu fiz”, comentou a advogada Therezinha Zerbini, com os olhos faiscantes, durante um almoço na casa em que vivia, no Pacaembu, em São Paulo. “Graças a Deus”, completou, entre risadas. “Ajudei muito Marighella e eles nunca ficaram sabendo”.
“Eles” eram os militares que haviam cassado o seu marido, o general Euryale Zerbini, em 1964. “Eles” também a tinha levado presa, daquela mesma casa, em 1970. Quando chegaram, ela mandou entrar. Achou que precisavam de algum tipo de ajuda.
Naqueles tempos, quem batia à porta de Therezinha, nas mais diferentes horas do dia ou da noite, eram os perseguidos pelo regime. Passados quase 50 anos, a advogada relembrava para mim episódios do período, quando a filha, Eugenia, provocou:
– Ela ajudou até alguém que não gosta de lembrar!
Therezinha não se fez de rogada. Sim, ela havia abrigado por uma boa temporada o marinheiro José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que mais tarde se revelaria como um dos mais torpes traidores dos movimentos de resistência à ditadura.
Na impossibilidade de mantê-lo na própria casa, Therezinha procurou a mãe, dona Arminda, que morava na rua Diogo Vaz, 94, no bairro do Cambuci. Leitora atenta dos editoriais do Estadão, dona Arminda não quis saber de acobertar procurados pela polícia política.
Therezinha apelou: “Mamãe, ele é um coitado. Está um trapo humano. E se fosse um de seus netos?” Funcionou. O detalhe mais instigante: dona Arminda e Cabo Anselmo se deram bem. Ele ocupava um quarto nos fundos do imóvel, sem vista para a rua, mas circulava pela casa.
Mais de uma vez, Therezinha encontrou-o com os braços esticados, envoltos por fios de tecer, para que dona Arminda montasse novelos de lã. O homem que mais tarde não hesitou em delatar e provocar emboscadas fatais também costumava rezar junto com dona Arminda.
Na expectativa de fazer um treinamento em Cuba, que se concretizou em 1967, Cabo Anselmo custou para controlar a ansiedade no período em que ficou trancado na casa de dona Arminda. Dizia que tinha medo de enlouquecer. Por isso, ao volante de seu Dodge Dart, a advogada chegou a levá-lo para dar uma volta, à noite, no campus da Universidade de São Paulo.
Therezinha, que morreu no dia 13 de março, perto de completar 87 anos, ficou chocada quando a verdadeira – e cruel – face de Cabo Anselmo veio à tona, ainda nos anos 1970. Também ficou instigada pelo fato de jamais ter constado das delações de Cabo Anselmo: “Ele nunca falou da mamãe. E nem de mim. Quem não presta sabe quem presta.” Essa era a Therezinha.
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