Desligo o telefone consciente de que meu amigo precisava de mais algumas palavras. Não é fácil perder a mãe. Mais ainda estar diante do desafio de elaborar a Diretiva Antecipada de Vontade (ou Testamento Vital) do pai de 98 anos. No entanto, os compromissos do cotidiano me empurravam para o próximo compromisso do dia: um café com uma amiga que acabara de retornar da Alemanha, depois de quatro anos. Precisava conversar comigo, reencontrar e atualizar as conversas. Na portaria do prédio, cruzo com o síndico que estava sumido desde o natal. Ele revela o motivo. Sua mãe, de 91 anos, estava internada em um hospital, em Santos, onde ele permaneceu até ela receber alta após mais de 30 dias de UTI.
Minutos depois, chego ao café e, para minha surpresa, o retorno de minha amiga ao Brasil deveu-se, principalmente, à mãe, de 80 anos. “Ela precisa que eu esteja por perto, está meio deprimida”. Ao retornar para casa, recebo a notícia: minha tia, de 81 anos, foi internada, de repente. Trombose em uma das pernas. A família mobiliza-se para os cuidados. Reflito como o fenômeno do hiperenvelhecimento, em um prazo de poucas horas, pode surgir diante de mim com tanta intensidade e materialidade.
Ao preparar palestra para alunos do último ano do curso de Administração da Pontifícia Universitária de São Paulo (PUC-SP), decido iniciar por uma questão: Em que vocês irão se formar no fim do ano? Enganam-se os que pensam que estão apenas concluindo um curso de Administração. Com o ritmo acelerado do envelhecimento populacional no Brasil, pouco importa a carreira escolhida. Todos seremos, na prática, gerontólogos. O envelhecimento irá cruzar, encontrará pontos de interseção, com todas as profissões. Economistas, administradores, médicos, professores, engenheiros, arquitetos, advogados serão demandados a encontrar soluções dentro da Economia da Longevidade para um ambiente social transformado pela dinâmica demográfica.
Os pais costumam preocupar-se muito com as profissões futuras dos filhos, mas poucos relacionam aptidões e desejos com a sociedade das próximas décadas. É comum pensar apenas no vizinho, no filho do amigo ou outro próximo bem-sucedido. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o envelhecimento populacional é uma das cinco megatendências globais de negócios para este século [ao lado do avanço tecnológico, da globalização, dos efeitos ecológicos e das consequências políticas após a derrubada das ditaduras do Oriente Médio]. Algumas grandes consultorias, como a PricewaterhouseCoopers, corroboram com essa visão. Mas as famílias e os jovens ignoram o envelhecimento populacional no momento de escolher a profissão ou definir estratégias para a carreira.
Muita gente ainda desconhece o mercado para gerontólogos e alimenta o senso comum – com grande dose de preconceito ou ignorância – de que este profissional “vai cuidar de velhinhos”. Nada mais descolado da realidade de grandes empresas no mundo. Nada mais equivocado em relação ao segmento do cuidado. Em 2018, a indústria do cuidado nos Estados Unidos movimentará 144 bilhões de dólares, crescimento de 20% em relação a 2011 (IBIS World).
O Brasil avança na Gerontologia com cursos de graduação, como o da Universidade de São Paulo (na EACH, desde 2008), e pós-graduação (como nas PUCs em todo o país, entre muitos outros). De 2001 a 2010, a oferta de cursos de graduação cresceu 53,85% em comparação com o período de 1971 a 1980, acompanhando uma evolução percebida em toda a América Latina, segundo a Associação Brasileira de Gerontologia.
Embora ainda exista muito desconhecimento da profissão, aos poucos, a Gerontologia tende a perder seu caráter único de filantropia, “profissão de freiras”, para estabelecer-se como uma carreira estratégica dentro das organizações, por sua formação multidisciplinar, ou cristaliza-se com o empreendedorismo, a inovação do social business, principalmente na área de tecnologia. Sem esquecer, a necessidade desse profissional no setor público, onde, até hoje, as políticas para os idosos são geridas por pessoas autodidatas, militantes sem formação acadêmica específica, isso na melhor das hipóteses, ou simplesmente políticos sem conhecimento algum sobre Gerontologia.
Um bom exemplo, no Brasil, é o plano de saúde Prevent Senior, com gerontólogos em várias áreas, desde a prevenção até orientação para vendas. Os gerontólogos atuam nas “oficinas” para os segurados, um dos grandes segredos da performance do balanço do Prevent Senior. A Danone, com sua linha de produtos de nutrição especializada, contratou gerontólogos para essa área, aproveitando a capacidade desse profissional na gestão de iniciativas e projetos (veja quadro).
No início do mês, uma aula de especialização na Faculdade de Saúde Pública da USP, reuniu, como alunos, engenheiros, advogados, administradores que foram em busca de um conhecimento sobre longevidade que está ausente dos cursos de graduação e, agora, suas empresas exigem esse saber para alcançar metas e resultados dentro deste novo mercado. A rede de academia de ginástica Bio Ritmo enviou para lá duas de suas coordenadoras, pois o público idoso já é quase o dobro de jovens em algumas de suas unidades. O setor de academia seria o mais óbvio. Mas agora o que dizer de shopping centers, agências de publicidade ou empresas como Hypermarcas, Unilever, Bradesco ou Itaú que estão, cada vez mais, em busca do conhecimento gerontológico?
Quanto mais o homem do século XXI envelhece dentro de um conceito de que os muitos anos a mais não podem ser assumidos passivamente como um hubris envelhecimento, ou seja, a sociedade envelhecida sustentável deve focar na boa qualidade de vida, na pessoa ativa o máximo de tempo possível, o gerontólogo ocupará mais espaço no mercado de trabalho.
Os pais e os jovens continuam não só escolhendo a profissão como no século XIX, quando Dostoiévski sentenciava os 40 anos como “a mais avançada velhice”. Mais grave. Estão delineando suas carreiras ainda para uma sociedade daquela época quando, “viver além dos 40 [era] indecente, vulgar, imoral!”. Quando só vivia mais de 40 “os imbecis e os canalhas”. E o personagem do autor russo precisava “dizer na cara de todo mundo”: “Tenho direito de falar assim, porque eu mesmo hei de viver até os 60! Até os 70! Até os 80!”.[1] Era um brado para dizer que viver muito, na sociedade contemporânea, é um direito. E como todo direito dependerá de profissionais com conhecimento para sustenta-lo.
[1] DOSTOIÉVSKI, F. Memórias do subsolo, trad. de Boris Schnaiderman, São Paulo, Ed. 34, 2000. (p. 17)
*Jorge Félix é especialista em economia da longevidade, jornalista, professor e mestre em Economia Política pela PUC-SP. É autor do livro “Viver Muito” (Ed. Leya). www.economiadalongevidade.com.br
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