Vocês se lembram de Descartes? Eu penso, logo eu existo? Fundamento da cultura francesa, o pensamento cartesiano é aquele que se estrutura através da tese, de seu oposto, a antítese para chegar-se na síntese. Na passeata de terça-feira passada, as paredes passaram a dizer : Eu quebro, logo eu existo ou Eu penso, logo eu boto para quebrar.
Pois é. A sociedade francesa nestes tempos turvos, resolveu explodir os limites racionais da sua tão refinada estrutura mental convidando ao transbordamento. Débordons… diz uma das inscrições nas paredes da cidade. Que o rio saia do leito, destrua as margens, fecunde os campos. Que rolem as cabeças em 1789, que se desabotoem os sutiãs de 1968, que se quebrem os bancos mundiais e as vitrines publicitárias em 2016. Violência saudável ou cólera juvenil sem futuro? Verdadeiro movimento anarquista, ou policiais disfarçados botando quebrando a fachada do Hospital Necker (dedicado às doenças infantis) para depois poderem exercer a repressão de maneira “justificada”?
Vai saber…
Uma outra manifestação estava prevista para esta quinta-feira, mas o Ministério do Interior a proibiu, alegando o cansaço dos policias divididos entre a caça aos terroristas, a segurança dos espectadores da Copa Euro de Futebol e as intermináveis manifestações sindicais e estudantis contra a lei El-Khomry (que muda radicalmente o Código do Trabalho). Só que tem um probleminha… O direito à manifestação é um dos fundamentos da democracia francesa… e de qualquer democracia.
Em tese, a França tenta se modernizar… Mas a coisa anda muito complicada. O governo de esquerda propõe uma lei considerada pelos sindicatos e pelos trabalhadores como uma lei de direita. A imposição desta lei através do artigo 49.3 não deixa de ser um ato de imposição autoritarista. O descontentamento que se expressa nas manifestações, Nuit Debout, movimentos estudantis e greves nas empresas estatais é in fine um saco-cheio geral da população quanto à um sistema falido. Falo do Capitalismo Selvagem que submeteu ao seus interesses o sistema político e democrático de nossos países.
E quando a antítese bota a boca no trombone, saem cobras e lagartos. Nem patrão, nem marido, nem Papai, nem Deus clama uma parede em letras vermelhas. Uma cadeia de televisão é sempre uma cadeia, diz um outro tag, fustigando os meios de comunicação coniventes com o poder. Rêve de saccage… Nada a ver com sacanagem, o sonho é mesmo de tumulto, saque, destruição. O ruir de um sistema obsoleto.
E em síntese, esta última inscrição, entre filosófica e poética : Nous sommes les indigènes d’une colonie intérieure devenue incontrolable… Somos os indígenas de uma colônia interna que tornou-se incontrolável. Quem são os colonos? Quem os colonizados? Patrões, empregados, imigrantes, povo e elite. Quando os colonizados se revoltam contra os seus colonos, não fica pedra sobre pedra, é Independência ou Morte.
Por isso tantas sirenes uivam na cidade. O Lobo está solto. Je casse, donc je suis.
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