Paris, dia 3 de junho. Foto: Reprodução: Twitter/@CCouffon
Paris, dia 3 de junho. Foto: Reprodução: Twitter/@CCouffon

Antes de mais nada, peço desculpas pelo sumiço. Andei às voltas com a montagem de um filme rodado no Brasil, mais precisamente no Amapá, filme este que me ocupou inteirinha, da cabeça aos pés até que, enfim, saiu da fôrma neste fim de semana. Estive com os pés em Paris e a cabeça em Macapá. Tratando das tensões entre o agronegócio e os pequenos agricultores, enquanto as sirenes do Estado de Urgência urram pela cidade-luz. Gingando entre as mineradoras instaladas no Amapá desde os tempos do regime militar até hoje, descobrindo que os assentados são peões de um jogo em que a terra é dada e depois tirada. Corrupção, conivência do capital com o poder público, a história é brasileira, mas o cansaço, mundial.

Chega, parecem gritar as populações extenuadas. Debout! clamam os que acreditam na revolta. A rua é nossa, dizem os jovens que finalmente parecem ter acordado de uns 50 anos de sono. Queremos mudança!

Reunidos em torno da recusa da lei denominada El Khomri (vejam coluna do dia 3 de março passado), as vozes dos trabalhadores, sindicalistas e estudantes não se cala desde o início do mês de março. Nuit debout, greves, manifestações, violência policial enquanto a lei faz idas e vindas entre a Assembléia e o Senado. Com mais de 5000 emendas (sim, pasmem !) a lei acabou descontentando a todos, patrões que querem flexibilizar o código do trabalho, empregados que não querem novamente ter que pagar pela falência de um sistema. Sim, aqui também sopra o vendaval.

Enquanto no Brasil, o impeachment foi decretado, aqui a fenda do sistema político foi se alargando, tornando-se rachadura por onde se embrenham agora o descontentamento e as águas do céu. A chuva que durou uma semana sem parar trouxe um gosto de fim de mundo. Après moi, Le Déluge. Um passeio pelo rio Sena neste fim de semana proporcionou visão extraordinária : as pontes com a água até o pescoço, as margens engolidas pelo rio, as obras de arte do Louvre sendo transportadas para lugar mais seguro, as árvores afogadas como um sinal. O Rio Amazonas veio parar aqui. E de certa forma prova-se que tudo no mundo é interligado.

A injustiça não quer mais ser engolida em seco. O que é bom para mim em Paris tem que ser bom para você em Macapá; se não, é estupro : precisamente o que temos que mudar.


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