Todo dia, voltando do trabalho, dou um pulo na Rue du Poteau para uma comprinha. Se não é pão, é queijo, se não é queijo, são frutas, ou flores. Ou o chá que está terminando na latinha metálica lá em casa e que tomo de manhã com mel dos Pireneus, observando pela minha janela a cidade acordar. Resolvi então hoje levar vocês comigo.
Na Praça Jules Joffrin, começo pela padaria, que na França não tem nada a ver com as nossas, herdadas de Portugal. Nem com as farmácias canadenses, onde dizem que se compra de tudo, até remédio (sei disso graças a uma deliciosa canção do Charles Trenet – cantor compositor e poeta francês nascido em 1913 – que conta tudo o que se encontra nas farmácias do Canadá ! É de morrer de rir…). Bem, então, a padaria e doceria Lendemaine vende pães de todo tipo, centeio, cevada, farinha branca, farinha parda. E a famosa baguette tradição pela qual os moradores do bairro enfrentam a fila de dobrar a esquina ao cair da tarde. Quando caio eu em tentação, compro um Mont-Blanc que é o doce mais delicioso do mundo, feito de creme fresco e castanhas, ou escolho uma tortinha de framboesas frescas se é verão.
Logo em frente, começa a Rue Du Poteau propriamente dita. De origem, era uma rua da comunidade de Montmartre, que foi anexada à Paris em 1860. Poteau, literalmente quer dizer poste, aqui fazendo referência ao “poteau de justice”, espécie de pelourinho onde se amarravam os condenados para expô-los à vingança da população… Bem, hoje já não se pratica mais isto (a humanidade, apesar de tudo, evolui), e a rua é um dos pontos mais freqüentados do bairro.
Logo na esquina, podemos entrar na loja de artigos Royer (pronuncia-se Ruaiê), uma assim chamada quincaillerie (quinquilharia), indicando que nela de tudo se encontra. Mas de tudo mesmo ! Desde agulha e linha até produtos para desentupir a pia. Tapetes em rolo, sacolas de compras, vasos, abajures, chaleiras, guardanapos, lâmpadas, lixas de unha, pregos e martelos, cabides e baldes. Quase uma farmácia canadense. O que você precisar, tem na Royer. No anexo “moda” da loja, podem-se comprar chales e vestidos de seda da Índia, carteiras, pulseiras e almofadas para a sala de estar. O anexo é um verdadeiro paraíso para mulheres, que cabe em 8 ou 9 metros quadrados. Saindo, logo vemos a loja de produtos italianos e depois a de produtos gregos, uma volta ao mundo ao longo da calçada.
Do outro lado da rua, temos uma das lojas de vinho, cuja vitrine expõe garrafas e etiquetas comentando os sabores e perfumes do néctar de Baco: “este vinho alia complexidade aromática com uma bela estrutura tânica. Frutas vermelhas e aroma de frescor garantidos” ou “nariz floral, uma nota apimentada, verdadeira pérola a ser descoberta”. Acreditem se quiser, mas os franceses falam assim dos vinhos…
Colada na loja de vinhos está a Boucherie Chevaline, um açougue que vende carne de cavalo. Nunca experimentei nem nunca vou experimentar. Sempre digo que tenho limites no meu processo de afrancesamento. Cavalo, rã, lingüiça de sangue não dá. Mas a fachada é bonita, com os cavalinhos de neon brilhando ao anoitecer. O açougueiro na porta de avental ensangüentado acena para uma cliente idosa do outro lado da rua, e atravessa para trocar dois dedos de prosa.
Logo depois vem a queijaria. A queijaria é um mundo. Queijo de cabra é o meu preferido. Tem em forma de estrela, pirâmide, cilindro. Vindo do sul da França ou do Centro. Tem os Comtê : 12, 24 ou 36 meses de afinamento. Quanto mais velho o Comtê, mais forte o gosto. E os Camembert, Brie e outras “pâtes molles”, que são os queijos cremosos. Temos os da Auvergne, fabricados nesta região vulcânica do centro da França onde as crateras extintas formam lagos e o pasto é de um verde vivo. Aquelas vacas que comem aquela grama perto daquele lago dão aquele leite que dá aquele queijo : isto é o que se chama de terroir (diga terroar), uma noção fundamental para se entender a França.
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Ah, temos também o artisan fleuriste, que para poder levar este nome estudou e conseguiu um diploma e um savoir-faire ligados ao fato de que mais do que um comerciante, um florista é um artista que faz arranjos, conhece as plantas e as estações do ano, marca com sua arte as festas que pontuam a vida, batizados, aniversários, casamentos, enterros. Hoje comprei um maço de cravos delicados para florir o meu jardim interno.
Carregada de compras, deixo as frutas para outro dia. Sento para tomar um café na esquina, onde o Tabac Reinitas oferece um terraço coberto e encapuçado, afinal aqui é inverno enquanto vocês aí se deleitam com mangas e as ondas do mar.
Dans les pharmacies,
Dans les pharmacies…
On vend du nougat et du chocolat,
Des bonbons au citron, des stylos,
Des poupées gentilles
Pour les petites filles
Et, pour les garçons,
Des lapins qui sont
Sauteurs et polissons.
On vend de tout :
Des toutous blancs
Qui se tiennent debout,
Tout tremblants,
Des arlequins, des cailles qui rient
Et tout un lot de quincaillerie.
Dans les pharmacies,
Dans les pharmacies,
On entend parfois cet ordre sec :
“Garçon ! Des petits pois ou un bifteck
Ou des choux farcis.”
Dans les pharmacies.
Ces pharmacies-là
Sont celles du Canada
Où l’on prend ses repas, parfois, par-ci, par-là.
On y vend aussi des pilules, mais sachez
Que la vente des cachets est un peu cachée,
Car ici, ce n’est pas un crime
De commander un ice-cream
Où l’on ajoute un peu de soda,
Mais des remèdes, on n’en voit pas.
Dans les pharmacies,
Dans les pharmacies,
J’entre par hasard et, le plus bizarre,
Je n’en sors qu’après deux heures et quart,
Les poches gonflées
De pommes soufflées,
De rasoirs à main
En duralumin,
De mille produits humains.
Un phonographe immense et lourd
Y joue des chansons d’amour
Et pour vingt cents, on peut entendre
Un baryton à voix tendre :
Les oiseaux sont couchés dans leur nid
Et moi, je suis couché dans mon lit.
Il fait froid ce soir, il fait nuit,
Alors tendrement, je dis :
“Bonne nuit, bonne nuit, Suzy.
Bonne nuit, bonne nuit, Suzy,
Suzy, oh oui, bien sûr.
Certainement, oui, bonne nuit,
Bonne nuit, Suzy jolie… euh…
Bonne nuit…”
Off: C’est une chanson qui s’appelle “Bonne nuit Suzy”
Dans les pharmacies,
Dans les pharmacies,
Je suis très heureux
Car j’y viens joyeux, parler français
Et ce plaisir-là est unique là-bas,
Dans les pharmacies
Si, si, si bémol…
Du Canada.
*Adriana Komives, brasileira de origem húngara, 51 anos, 31 em Paris onde estudou cinema e exerce desde então as profissões de montadora e roteirista. Consultora em montagem de documentários nos Ateliers Varan, la Femis, DocNomads, ensina o ofício de montagem no Institut National de l’Audiovisuel e roda o mundo trabalhando em oficinas de realização documentária.
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