Houve um tempo em que a guerra se fazia olho no olho.
Matar exigia uma certa disposição para morrer, para ver o próprio sangue misturado ao do inimigo.
Hoje, para muitos, a guerra se parece mais com um jogo virtual. Alguém vê o campo de batalha, logo um campo da morte, numa tela, aperta um botão, a tela é tomada de pó e fumaça, o combate terminou.
Por vezes, o mais perto que se chega do inimigo, logo vítima, é aquela altura de onde aviões de última geração – viajando tranquilos na ausência de artilharia antiaérea – soltam suas bombas inteligentes.
Em todo caso, quem aperta o botão não corre o risco de se sujar com o sangue do adversário, não pode sentir o cheiro azedo do sangue nem o cheiro da carne humana queimada.
O matar, quando o matador se sabe ao abrigo da morte e quando seus sentidos não são ofendidos pela sujeira da morte, é coisa que se faz com certa leveza.
O matador, seus sentidos assim protegidos, já não tem tolerância à visão do próprio sangue, já não tem qualquer apetite para o risco da própria vida.
A última esperança do negócio sujo da guerra, a ideia, ainda que vertigem, de que se paga com vidas as boas causas, está perdida para esse matador.
Houve um tempo também em que a guerra era coisa de profissionais e de conscritos que, no corpo a corpo, se matavam um a um.
Hoje as bombas inteligentes têm uma predileção especial pelos civis que colhem no atacado.
Em guerras recentes, a assimetria dos meios de que dispunham os lados em disputa produzia centenas ou milhares de mortos civis de cá e alguns quantos combatentes – porque afinal nem todo mundo pode ficar apenas apertando botões – de lá.
A mera matemática, no entanto, não é o juiz da vitória e da derrota.
Um lado já não sabe bem por que luta e mata e já não sabe morrer. O outro luta e morre porque a única outra opção é a da vida indigna.
É assim que o sangue por vezes obtém sua vitória, tão cara, contra a espada.
Há nove anos, entre 12 de julho e 14 de agosto de 2006, no Líbano, e há um ano, entre 12 de junho e 26 de agosto de 2014, em Gaza, o sangue reclamou para si a vitória contra as bombas israelenses.
*Salem Nasser é professor de Direito Internacional da FGV Direito SP.
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