No último diálogo do misto de documentário e ficção “Que estranho chamar-se Federico!”, diante da imagem do velório de Federico Fellini, no começo de novembro de 1993, o narrador lembra de um diálogo do diretor de “A Estrada” com seu produtor Carlo Ponti, que não gostou do final tristonho de um de seus filmes. Argumentou que o público queria ver esperança, possibilidade de superação, de recomeço. Para isso servia o cinema: alimentar sonhos e alimentar o espírito. O espectador deveria sair renovado da sala de projeção. “Dê-me um raio de sol, Federico, dê-me apenas um raio de sol!” E explode na tela, em seguida, cerca de cinco minutos com as imagens mais marcantes de seus filmes, mais vivos, líricos e poéticos que nunca.
Não podia terminar de modo tão encantador esse que já é um dos grandes filmes sobre a sétima arte já feitos em todos os tempos e que está em cartaz em São Paulo. E não deveria ser diferente. Etore Scola, seu diretor, é um dos maiores nomes vivos do cinema mundial, autor de obras-primas como “Um Dia Especial” e “Splendor” – este, um filme em que ele, pela primeira vez, fez reverência ao cinema. Scola não teve pudores para fazer uma cinebiografia apaixonada de seu compatriota, mestre, fonte de inspiração, colega de trabalho e amigo de toda a vida. Ele também procurou ressaltar as semelhanças que aconteceram entre os dois no começo de suas respectivas carreiras.
Como, por exemplo, terem começado como chargistas na mesma publicação, só que em diferentes épocas. Nessa parte, ele recorreu à representação de alguns fatos, com atores que encenaram alguns episódios importantes que aconteceram com eles. Federico, com 19 anos, conseguiu seu primeiro trabalho no jornal humorístico romano “Marc’Aurelio”, em 1939, quando a Segunda Guerra Mundial estava prestes a começar. O espectador, então, acompanha seu primeiro encontro com o diretor e toda a equipe de redatores do jornal, onde conheceu o escritor Ruggero Maccari, que anos mais tarde se tornaria colaborador de Fellini e Scola. Além de escrever para o jornal, trabalhou como “ghost-writer” nas produções de filmes e escreveu para teatro. Cinco anos mais tarde, seria a vez do próprio Ettore Scola chegar à redação com seu portfólio debaixo do braço.
Para dar magia ainda mais ao filme, Scola o fez integralmente no Estúdio 5, da legendária Cinecittá, maior estúdio italiano e onde Fellini criou a maior parte de suas realizações. Profundo conhecedor da obra do amigo, o diretor se mostra preciso nos mínimos detalhes. E faz um filme essencialmente felliniano. Assim, inclui as composições de Nino Rota, o mesmo que escreveu as trilhas “A Doce Vida” e “Amarcord”, os tipos delirantes de “La Nave Va”. Tudo ressaltado com uma fotografia cujas cores fortes realçam e dão estilo ao filme. Não esquece também suas manias, que conhecia tão bem, como as noites de insônia, quando os dois percorriam Roma de carro, dando caronas a desconhecidos. Em uma das cenas que representam essa cumplicidade, eles levam a prostituta Wanda, cujo sorriso e vida sofrida remetem a Cabíria, a personagem da atriz Giulietta Masina – esposa de Fellini por toda vida – em “Noites de Cabíria”.
Imagens de arquivos, áudios com a voz de Fellini em diferentes momentos e representações se misturam o tempo todo. Enganam, no bom sentido, hipnotizam, emocionam e fazem o grande gênio italiano do cinema renascer. Mesmo se tratando de um artista que todos nós consideramos imortais.
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