Especialmente hoje, Quintessência não falará sobre um álbum produzido entre 1960 e 1980. Tampouco disponibilizará para audição alguma obra musical do período. O argumento para a quebra do estatuto firmado há 28 semanas – quando inauguramos este espaço com o clássico O Som, de J.T. Meirelles e os Copa 5 – é para lá de razoável: esta quinta-feira, 20 de fevereiro, marca os 19 anos da despedida de um dos personagens mais importantes para a música popular brasileira no Século 20, o produtor Aloysio de Oliveira. A recordação da efeméride pode soar estranha. Por que cultuar a data da morte de alguém? Explico. Ocorre que em 2014 será celebrado o centenário de nascimento de Aloyisio, mais especificamente em 30 de dezembro. Como falaremos em Quintessência de 50 álbuns, e este espaço terá sido extinto em agosto, antecipamos hoje nossas reverências a essa figura ímpar na história da indústria fonográfica brasileira.
Nascido no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, Aloysio começou sua história musical aos dez anos, quando aprendeu os primeiros acordes de violão com o amigo de vizinhança Hélio que, dois anos mais tarde, o convenceu a formar um conjunto, que ganhou o nome Bloco do Bimbo, com outros três garotos – os irmãos, Armando, Stênio e Afonso. Tempos depois, o grupo tornou-se célebre, no Brasil e nos Estados Unidos, sob a alcunha de Bando da Lua. Com ele, Aloysio chegou a lançar mais de 30 discos.
Em 1939, depois de participar de uma série de shows no Cassino da Urca, com sua então namorada Carmem Miranda, Aloysio, outros três músicos do Bando da Lua e a futura Pequena Notável partiram para os Estados Unidos a convite do empresário Lee Schubert. A primeira incursão foi curta. Carmem e os músicos voltaram ao Brasil em menos de um ano. Mas, já em 1940, um novo convite de Schubert transformou radicalmente a história do quinteto: o empresário havia fechado um contrato com a 20th Century Fox para que a cantora e o Bando da Lua integrasse uma série de filmes do estúdio hollywoodiano. Caminho aberto para Carmem se transformar em um dos maiores símbolos do Século 20. Aloysio, por sua vez, estabeleceu uma amizade valiosa com Walt Disney, a ponto de se tornar uma espécie de consultor para assuntos latino-americanos dos estúdios Disney e dar conselhos cruciais para a construção do personagem Zé Carioca. O resto é história…
Quando Aloysio voltou ao Brasil, em 1956, abalado com a morte de Carmem, no ano anterior, ele foi convidado a assumir a direção artística da gravadora Odeon e também a colaborar para a Rádio Mayrink Veiga. Na condição de manda-chuva da Odeon, Aloysio abriu caminho para artistas embrionários da Bossa Nova, como o maestro Tom Jobim, o violonista Luiz Bonfá e o cantor Agostinho dos Santos. Em 1959, Chega de Saudade, estreia triunfal de João Gilberto foi lançado pela EMI, sob o comando de Aloysio. Embora estivesse claro para o produtor que a obra-prima do baiano seria o estopim de uma revolução sem precedentes para nossa música popular, mesmo consenso não teve a EMI, que negou ao recém-chegado executivo novos contratos com artistas do mesmo perfil de João. No ano seguinte, Aloysio mudou-se para a Philips e conseguiu acolher alguns dos artistas que pretendia registrar na concorrente – Erlon Chaves, Luiz Eça, Astor Silva, Sylvia Telles, Trio Irakitan, entre eles.
Mas a grande contribuição do cantor do Bando da Lua enquanto produtor musical e diretor artístico teve início, em 1963, com a criação de seu próprio selo musical a gravadora Elenco. Em um curto período de três anos, difundindo trabalhos para um público majoritariamente concentrado no Rio de Janeiro, devido à tímida tiragem e distribuição dos lançamentos, Aloysio tornou-se espécie de mecenas para a geração que empreendeu a revolução musical da Bossa. Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Nara Leão, Baden Powell, Maysa, Quarteto em Cy, MPB 4, Roberto Menescal, Sidney Miller, Tamba Trio, Lennie Dale, Odete Lara, Sylvia Telles, João Donato, Sergio Mendes, Astrud Gilberto, Aracy de Almeida, Dick Farney, Billy Blanco, Agostinho dos Santos, Nana Caymmi, Cyro Monteiro e Rosinha de Valença – só para citar mais de duas dezenas deles –, foram alguns dos artistas que tiveram registros lançados pela Elenco.
Vitimado por um câncer, que preferiu não tratar, Aloysio morreu em 20 de Fevereiro de 1995, em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde foi cremado. Discreto, como quando se relacionou com Carmem – que teve nele a maior paixão da vida, mas jamais conseguiu convencê-lo a se casarem –, Aloysio manteve segredo da doença e surpreendeu amigos e fãs. Viveu 80 anos, mas deixou um legado atemporal e indissociável da história cultural do Brasil no século 20.
Conteúdo e Forma
Se o conteúdo musical dos LP’s e compactos da Elenco era dos mais insuspeitos – credibilidade resultante da impecável curadoria de Aloysio – a forma com que os “produtos” eram embalados impunha uma inabalável unidade estética e uma revolução equivalente à da Bossa para a arte dos discos lançados no País. Criadas pelo artista gráfico César Villela – na maioria das vezes a partir de fotos do inseparável Francisco Pereira – as capas da Elenco são um espetáculo a parte. Abusando do alto contraste entre preto e branco, de tipografias reincidentes e ousadas, e de outro símbolo recorrente os três, ou quatro, pequenos círculos vermelhos dispersos nas capas (um deles sobre a letra N do logo da Elenco, sugerindo uma espécie de holofote), Vilella criou um universo visual dos mais fascinantes, que marcou época.
Acesse o blog Elenco Records e conheça a maioria delas
Assista um breve depoimento de Cesar Villela sobre suas contribuições para a Elenco
A recomendação auditiva para hoje é uma verdadeira aula de Aloysio sobre o ambiente pré-Bossa Nova e o impacto da revolução imposta por ela. Em 1967, em parceria com a revista Seleção, foi lançada caixa com dez LP’s intitulada Máximo da Bossa. Entre as coletâneas, havia também um álbum duplo com excertos de gravações, de diversos artistas, e texto de sua autoria narrado por Aloysio.
Boas audições e até a próxima Quintessência!
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