Anna Muylaert: “Nunca senti tanto o machismo quanto agora”

 Foto: Jeyne Skan
Foto: Jeyne Skan

O premiado filme “Que horas ela volta?”, de Anna Muylaert, ganhou uma sessão especial nessa quarta-feira (3), no cinema Caixa Belas Artes, em São Paulo. Ao fim da exibição, a diretora participou de um bate-papo com o público.

O filme conta a história de Val, uma pernambucana que veio a São Paulo para ser empregada doméstica de uma família abastada, e sua filha, Jessica. A jovem foi criada no nordeste e, após anos sem contato com a mãe, vem à capital paulista para prestar vestibular. O reencontro escancara a cultura arcaica de sectarismo e condescendência a qual Val é submetida no local de trabalho. Além disso, o filme fala sobre maternidade, questão abordada sob diversos ângulos ao longo do filme. O título em diversos países, inclusive, é “Second Mother” ou “Segunda Mãe”.

Anna contou que a ideia do filme surgiu durante a sua própria maternidade, momento no qual se deparou com o desafio de conciliar a profissão à tarefa de criar o filho. “Todas as minhas amigas tinham babás e começaram a me pressionar para que eu também contratasse uma. Mas eu não consigo achar normal essa ideia de terceirizar a função mais sagrada do mundo, que é ser mãe. E é muito estranho que essa função de babá seja tão mal remunerada: ela está cuidando do seu filho”.

Anna também falou sobre o machismo que sofre por ser uma mulher em cargo de chefia. “O mundo é machista. Não é só no cinema. Mas eu nunca senti tanto o machismo quanto agora, que sou diretora. Até o momento em que eu fazia as coisas e não recebia o crédito, ninguém se incomodava. Agora é diferente. Estive uma distribuidora na Alemanha, que ia passar o filme. Fui com um produtor na ocasião e durante toda a conversa, o cara da distribuidora só se dirigiu a ele – não olhou para mim em nenhum momento”.

O público da sessão especial era composto em sua maioria por mulheres, que mostraram ser difícil não se identificar com alguma das personagens do filme: seja a dona da casa, a empregada doméstica ou sua filha recém introduzida a esse universo. Diversas pessoas, emocionadas, se manifestaram após a exibição: patroas constrangidas, empregadas domésticas e babás felizes por verem suas histórias contadas de forma tão fiel, um filho de empregada doméstica que conseguiu entrar na USP e carrega orgulho do feito até hoje.  

Anna falou que foram feitas três sessões especialmente para a categoria de empregadas domésticas: “Não estive presente, mas me falaram que foi muito forte a reação, causou um frisson. E muitas saíam pedindo ‘Que horas ela volta? 2’ “.

“Me contaram que o Cauã Raymond foi no programa da Fátima Bernardes e falou que depois de assistir ao filme, deu um aumento para a empregada dele”, contou Anna, aos risos. “Quando esse filme passou na Europa, ninguém acreditava que isso ainda acontecia. É sempre essa a primeira pergunta que me fazem lá fora. Mas espero que a emprega doméstica seja uma figura em extinção no Brasil”. Um dos poucos espectadores homens da plateia descreveu o impacto daquele retrato tão cru da sociedade brasileira: “Daqui a 50 anos, os professores vão falar para seus alunos: você quer saber como era o Brasil há algum tempo? Veja esse filme”. 

Sobre a situação atual do País, que vive uma ascensão do conservadorismo, Anna disse estar confiante de que os avanços sociais conquistados ao longo dos últimos anos não têm volta. “O direito à cidadania é irrevogável, independentemente da conjunção política”, disse a diretora. “Para mim é o seguinte: vivemos um momento ‘Jessica pulou na piscina e dona Barbara mandou tirar’”, brincou Anna, ao falar de uma cena do filme na qual a filha da empregada é vista nadando na piscina da casa da família na qual sua mãe trabalha, para a indignação da patroa.

 


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