Aos 94 anos, planos ambiciosos para 2017

Bibi Ferreira - Foto: Studio Prime
Bibi Ferreira – Foto: Studio Prime

Que segredos levam uma pessoa a chegar aos 94 anos de idade? Terá sido uma vida tranquila, sem maiores alvoroços, sem estresse, que a fez chegar perto do centenário? E como manter a “máquina” operando sem esforço, em busca de mais um ano? Difícil precisar. Mas, se você se chama Abigail Izquierdo Ferreira e nasceu no dia 1º de junho de 1922, como diria Paulinho da Viola, “é um caso diferente”. Afinal de contas, Bibi Ferreira, uma das maiores divas do teatro e das artes cênicas do Brasil, já faz para 2017 planos ainda mais ambiciosos do que a agenda de cerca de 100 shows programados para este ano, com destaque para Bibi Ferreira Canta Repertório Sinatra. Acredite, depois dessa temporada, fazendo apresentações praticamente todo fim de semana, no Brasil e no Exterior, com destaque para Nova York, em setembro, Bibi Ferreira quer realizar, no ano em que completará 95 anos, um velho sonho: reger uma ópera, O Barbeiro de Sevilha, do italiano Gioachino Rossini, uma das mais populares do repertório mundial, que acaba de completar 200 anos de sua estreia em Roma.

O anúncio desse projeto ambicioso foi feito informalmente em Brasília, durante uma entrevista-palestra concedida por Bibi a alunos e professores da Escola de Teatro Dulcina, da capital federal, na véspera de seu show de Sinatra, no dia 28 de maio. “Sabe, eu gosto de coisa difícil, como maridos, que, aliás, tive cinco. Então, como adoro óperas desde criança, enfrentar o desafio de reger um espetáculo lírico me pareceu uma boa coisa a fazer para festejar os 95 anos de idade”, comentou, durante a entrevista que foi “coordenada” por este editor de Brasileiros, que, durante algum tempo, se sentiu como uma versão mais magra e bem menos carismática de Jô Soares.

“E de onde vem essa força, essa disposição de enfrentar uma maratona de espetáculos o ano todo” foi uma das primeiras e óbvias perguntas. A Bibi franzina, apoiada na mesa, se encheu de vigor e, com voz potente, foi explicando seu segredo de vida: “A força vem da saúde física e mental, da boa memória e das pernas. Vem de gostar de estar no palco e de levar ao público o produto do autor. Porque, vocês, jovens, nunca devem esquecer que o teatro parte do autor. Nós, atores e diretores, apenas transformamos o texto em um espetáculo. Mas, não esqueçam, sem um bom texto, nada acontece,” pontuou.

Considerando que Bibi Ferreira, atriz, bailarina, diretora, cantora e musicista, tem se dedicado mais nos últimos anos a espetáculos musicais com repertório de Piaf, Gardel, Amália e agora Sinatra, as perguntas sobre qual dessas personagens a agrada mais, ela não tem dúvidas em disparar: “Sou uma atriz, que gosta muito de representar, de viver um personagem. A cantora, na verdade, não existe sozinha, sendo apenas uma face da atriz”. Bibi alerta os alunos da Escola de Teatro Dulcina – fundada em Brasília pela estrela Dulcina de Moraes, que deixou o Rio de Janeiro no auge da fama para investir na cultura da jovem cidade nos anos 60 – que “ninguém pode ser ator sem ter voz. E também ninguém pode ser cantor sem ter voz”. Para demonstrar, ela se ergue da cadeira e coloca a voz como se estivesse em um palco. De quebra, canta um trecho de Mano a Mano, tango imortalizado por Gardel, e que já apresentou em um espetáculo musical de sucesso. E avisa aos candidatos ao palco: “Ator que não tem voz, que tente ser outra coisa, até mesmo no teatro. Porque, falando baixinho, quando ele perceber, a plateia terá subido ao palco para tentar escutá-lo e entendê-lo”, comentou, rindo. Sobre cantores sem voz, Bibi solta outra ironia dizendo que tem visto “algumas atrizes tentando cantar e cantoras tentando interpretar”, o que considera “difícil”.

Filha de um dos maiores atores brasileiros, Procópio Ferreira, e da bailarina espanhola Aida Izquierdo, Bibi pode dizer que começou a carreira artística quase no berço, aos 24 dias de idade, fazendo o papel, claro, de um bebê na peça Manhãs de Sol, de Oduvaldo Vianna, em que seu pai era o jovem galã. “A Abigail Maia, mulher do Oduvaldo, era a atriz principal, e tinha um momento na peça que ela carregava um bebê, na verdade um boneco. Um dia, o boneco sumiu e meu pai quis que eu entrasse em cena nos braços da Abigail, que era minha madrinha. Minha mãe estava comigo nos bastidores do Teatro São Pedro em Porto Alegre e passei a ser a solução. Dizem que me comportei muito bem em cena, sem chorar ou fazer xixi”, conta, sorrindo.
Até os sete anos, Bibi viveu na Argentina com a mãe, uma espanhola rigorosa que a fez aprender piano e violino, entre outras coisas. “Ela me perguntava: ‘Bibi que haces?’. E eu dizia: ‘Nada, mamá’. E vinha o troco: ‘Nada no existe, vá estudiar’”. Com sete anos, os pais separados, ela voltou ao Brasil para morar com Procópio. E foi matriculada na Escola de Artes do Teatro Municipal no Rio, onde integrou o Corpo de Baile e iniciou sua formação artística completa.

Hoje, Bibi Ferreira, perto de tornar-se regente de orquestra, seria, parafraseando Caetano, “a mais completa tradução” de um multimídia. Embora busque colocar a cantora apenas como um anexo da atriz, Bibi tem no currículo musicais como My Fair Lady, Hello Dolly, The Man of La Mancha, para ficar nos hits da Broadway, e Brasileiro, Profissão Esperança e Gota D’Água, peças de seu então marido Paulo Pontes, morto em 1976. Nas duas últimas décadas, ela se especializou em shows musicais. Em Nova York, nos shows de setembro, apresentará o espetáculo 4xBibi, com músicas de Gardel, Amália, Piaf e, claro, do centenário Francis Albert.

Quanto ao sonho de reger uma ópera, Bibi está em preparação intensa, e não muito convencional. Assiste, diariamente, a uma versão de O Barbeiro de Sevilha gravada pela orquestra do Metropolitan de Nova York para captar todos os detalhes da obra. Ela explica que já dirigiu óperas, mas a regência é mais complexa. “Tudo está nas mãos do maestro, os músicos, a partitura, os cantores, as entradas em cena, todo o conjunto da ópera”, comenta. Ser uma musicista e ter um ouvido privilegiado vão contribuir para que encare o desafio. E a garra de quem está chegando aos 95, daqui a menos de 11 meses, certamente ajudará ainda mais.


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