Embora o título remeta ao programa apresentado por Michel Melamed no Canal Brasil, o assunto é, na verdade, o monólogo estreado por ele no mês passado em São Paulo. O espetáculo Monólogo Público – o título já traz uma dualidade contraditória – marca a volta do ator ao gênero depois de dez anos.
Em cartaz até dia 8 de maio no Auditório Masp, a peça busca extrair as diferenças entre o público e o privado. O cenário traduz essa dicotomia no espaço, ao colocar um palco sobre o outro. Quando muda de plataforma, Melamed cria uma persona diferente.
Medo
Sem saber explicar o motivo, apesar de algumas tentativas durante a conversa com a CULTURA!Brasileiros, Melamed admite ter tido medo de voltar aos palcos em um monólogo. Pode-se dizer que o gênero consagrou-o no teatro, considerando-se seu estilo mais performático de atuação. “Até estrear, foi um certo terror. Agora estou gostando cada vez mais.” Já fazia três anos que sua amiga Bianca de Felippes tentava convencê-lo a fazer outro monólogo. Melamed pensou muito antes de acatar o conselho da amiga e se reencontrar com o gênero. Hoje ele reconhece que foi uma boa ideia. “Eu acreditei nela e comecei a trabalhar, mas até um mês antes ainda via a possibilidade de cancelar tudo”, confessa. Foram dois meses e meio de muito empenho para que pudesse subir ao palco. “É um susto, porque é um trabalho original, de texto original. Você fica um pouco apreensivo para saber se as coisas vão se encaixar”, desabafa.
A apreensão foi dando lugar à certeza. Melamed conta que as coisas foram ficando mais intuitivas à medida que foi se conectando mais ao trabalho. Nisso ele concorda com o sociólogo francês Pierre Bordieu, que não vê a intuição como algo místico, mas sim racional: “Acho que a intuição é o paroxismo da razão. É a razão tão veloz que você não refaz o trajeto”.
Autoficção
Um dos temas levantados por Michel na peça, a autoficção, é, para ele, inerente à arte. “Eu não acredito que exista o gênero autoficção. Acho que tudo é autoficção”, considera. Ele crê que tudo é criado a partir de si. No monólogo, o conceito é expressado por meio da questão “Que obra não é autobiográfica?”. As invenções das coisas, de acordo com ele, não vêm a partir de um vácuo infinito, mas a partir de experiências que as pessoas têm. “Viver é autoficcional”, finaliza.
A linguagem
“Eu espero que a peça incida em cada um de formas diferentes”, declara. Para ele, o texto não deve agir de forma persuasiva, não deve guiar as pessoas por um só caminho. Nesse contexto, entra a frase que fez questão de colocar no programa do espetáculo, que rondou sua cabeça durante um bom tempo: “A disputa não é pela narrativa, mas pela linguagem”.
Neste ponto, entra o tópico da pós-verdade, neologismo considerado a palavra do ano de 2016. “Uma coisa que me encanta como espectador de arte é que as linguagens artísticas me levam a ter interpretações múltiplas e, mais do que isso, contraditórias. Isso me enriquece”, afirma. Em Monólogo Público, isso é expressado por sons e luzes que parecem disparatados muitas vezes, ofertando várias leituras ao espectador. Estabelecer um campo subjetivo e emocional, quebrando-o em seguida para mostrar a mesma coisa de uma forma diferente, é a marca do espetáculo. “A linguagem engloba a narrativa”, conclui.
A temporada paulistana do Monólogo Público, de Melamed, é apresentada aos sábados e segundas-feiras, às 21h, e aos domingos às 20h. Os ingressos podem ser adquiridos na bilheteria do museu ou no site. O próximo destino da peça é o Rio de Janeiro, mas ainda não há data e local confirmados.
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