A breve biografia de um biógrafo

Paulo Cesar Araújo - Foto: Marcos Pinto
Paulo Cesar Araújo – Foto: Marcos Pinto

Paulo Cesar de Araújo é jornalista, historiador, pesquisador e autor de três livros sobre temas polêmicos do universo da cultura de massas no Brasil. Publicações que o colocaram em exposição na mídia nos últimos 12 anos, porém nem sempre pelos motivos desejados. Em O Réu e o Rei, o mais recente, ele deixa de ser só biógrafo ou pesquisador e se torna personagem. É uma obra de peso, que nasceu de um desafio proposto pelo editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras: contar a própria vida, desde a infância, relacionando-a a longa pesquisa sobre música popular brasileira que vem realizando há tempos.

Trata-se de uma autobiografia que só existe e só interessa ao público e ao mercado por causa do processo e da proibição de
Roberto Carlos em Detalhes, o livro anterior, que é uma biografia não autorizada. Caso contrário, seria uma história qualquer. E não teria sido escrita.

Apesar de escritor, Paulo Cesar destaca sua dificuldade com o ato de escrever, especialmente quando lida com prazos. A pressão da página em branco parece ter um poder paralisante sobre ele. “É um sofrimento.” Talvez por isso nunca tenha trabalhado em uma redação de jornal ou revista. Personagem de si mesmo, não tenta falsear suas contradições e fraquezas. Ao contrário.

Por outro lado, ele é orador nato. Com voz pausada e dicção clara, pronuncia as palavras calmamente, marcando bem as sílabas. Possui ares e simplicidade de professor, seu atual e principal ofício, talvez sua maior vocação – ele é professor do Departamento de Comunicação da PUC do Rio e da FAETEC, em Niterói.

Destino ou desejo
Paulo Cesar tinha 16 anos, em 1978, quando saiu de Vitória da Conquista, na Bahia, para morar na capital de São Paulo com a mãe e o irmão menor. A mãe partiu na frente para organizar tudo. Ele ficou para resolver pendências. Em O Réu e o Rei, o autor conta: “Toda a minha bagagem se resumia a duas malas: uma menor e mais leve, com algumas peças de roupa, um par de sapatos e alguns objetos pessoais. Na outra, maior e bem mais pesada, transportava meus livros, meus discos, revistas e vários recortes de jornais com notícias sobre Roberto Carlos e a música brasileira. Sem saber, naquela manhã, na rodoviária, embarquei para uma longa viagem, levando no bagageiro do ônibus o embrião da pesquisa de um livro que eu só começaria a escrever mais de vinte anos depois”.

Entre uma casinha melhor na periferia, a mãe de Paulo Cesar preferiu se instalar com os filhos em uma pequena garagem improvisada como moradia no bairro da Vila Maria, zona norte de São Paulo, que ficava perto de um bom colégio – Escola Estadual Senador Paulo Egídio de Oliveira Carvalho −, que, à época, era modelo. “Ocorreram vários acasos na minha vida que permitiram meus avanços. Mas a decisão da mudança e a escolha do lugar para morar, por exemplo, não foram acasos, e sim resultados da sabedoria intuitiva de minha mãe. Foi isso que permitiu a minha primeira formação.”

Seis anos mais tarde, no entanto, Paulo Cesar decidiu morar em Niterói, no Rio de Janeiro. “Minha mudança foi absoluto acaso, algo que não estava nos meus planos. Foi o amor que me trouxe ao Rio.” Ele acredita que se tivesse permanecido em São Paulo não teria se tornado um pesquisador da música popular brasileira. “Se tivesse qualquer ranço de misticismo, diria que foi o destino, que eu tinha uma missão. Mas não acredito em destino. Acredito em acaso, objetivos e desejo.”

Seu objetivo era cursar a universidade em uma instituição pública de qualidade. “Mirava as melhores.” Indeciso entre História e Jornalismo, conseguiu seguir as duas carreiras – Paulo Cesar é formado em História, pela Universidade Federal Fluminense, e em Jornalismo pela PUC do Rio; além das graduações, é mestre em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Do rádio para o gravador
No Rio, Paulo Cesar ficou à vontade para pesquisar. O acesso fácil a instituições – como o Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ) e a Biblioteca Nacional, no Centro e perto do porto das barcas que fazem a travessia para Niterói – foi fundamental para permitir seu aprofundamento no levantamento de temas relacionados à MPB.

Em 1990, ainda cursando Jornalismo, começou a entrevistar artistas, músicos, cantores, compositores, produtores, enfim, pessoas ligadas à MPB, abarcando todos os gêneros e estilos. Naquela época, não estava disseminada a figura do assessor de imprensa ou do secretário particular, responsáveis por fazerem a triagem dos contatos dos artistas. “No mínimo, você tinha acesso ao telefone.” Os celulares estavam engatinhando e o correio eletrônico era pouco usado. “Quando você conseguia o número, era só ligar. Muitas vezes eram os próprios artistas que atendiam.”

Foi o que aconteceu em seus primeiros contatos com estrelas como Tom Jobim, João Gilberto, Caetano Veloso e Chico Buarque. “Eu não tinha telefone em casa e usava, em geral, um orelhão. Com o bolso carregado de fichas telefônicas, tentava a sorte.”

Algumas entrevistas foram gravadas em vídeo, mas a maioria está só gravada em áudio. Ainda que alguns artistas não se recordem, Paulo Cesar entrevistou gente graúda, de Tom Jobim a Agnaldo Timóteo, passando por Chico Buarque, Wilson Simonal, João Gilberto, Dom & Ravel, Erasmo Carlos, Waldick Soriano, André Midani, Belchior, Gal Costa, Tim Maia, Odair José, Ronnie Von, Wanderléa, Nelson Ned, entre muitos outros.

Seu objetivo era obter material para o trabalho final de graduação do curso de Jornalismo. Ele queria entender por que a maior parte dos artistas que tocava no rádio da sua infância, que pertencia à sua memória afetiva e efetiva, não era discutida na academia, nem citada em livros – entre eles, especialmente seu ídolo Roberto Carlos. “Nos anos 1970, ouvia-se de tudo no rádio. Era tudo junto e misturado porque as rádios não tinham uma programação segmentada como hoje em dia.”

A ideia da pesquisa universitária evoluiu e, hoje, são mais de 250 depoimentos inéditos, uma espécie de museu sonoro particular sobre a MPB, um acervo precioso e raro. Além dos depoimentos, ele também guarda grande quantidade de discos e revistas.

Sem juízos de valor
A partir dessas pesquisas e entrevistas saiu o primeiro livro: Eu Não Sou Cachorro, Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar (Record, 2002). Nele, Paulo Cesar defende uma tese que foi criticada e elogiada quase na mesma medida, por ser um texto militante contra o preconceito e a injustiça da crítica e da historiografia da música popular, perante uma parcela de artistas populares brasileiros considerados cafonas, bregas.

Em 2013, no programa Roda Viva, da TV Cultura, ele explicou: “É um livro de guerrilha, que fiz para colocar os cantores bregas na história da música brasileira, porque eles estavam excluídos”. Na verdade, o livro trata de artistas de estilos distintos, que foram abrigados em um mesmo guarda-chuva, mas que não constituem exatamente um conjunto ou um movimento. Em Eu Não Sou Cachorro, Não, sem emitir juízos de valor e sem usar adjetivos, o autor constrói a ideia de que os artistas populares teriam sofrido com a censura tanto quanto os artistas da MPB de origem universitária e intelectual. E atribui a invisibilidade deles na história ao fato de não estarem alinhados nem com a tradição (do samba carioca, da canção praieira, do baião nordestino) nem com a modernidade (da Bossa Nova, da Tropicália, do rock’n’roll).

O fato é que esses artistas e sua arte, embora tivessem muito sucesso de público e de vendas, sequer constavam dos compêndios e almanaques quando ele fez a pesquisa. Eram invisíveis, estavam no limbo. Quase 12 anos após o lançamento, sabe-se que o livro de Paulo Cesar foi um marco na reconstrução dessa história.

Como efeito colateral, trouxe à cena musical e pop o universo cantado por artistas tão distintos quanto Odair José, Luiz Ayrão, Nelson Ned, Benito di Paula e Waldick Soriano. Foram todos midiaticamente abrigados no gênero brega que, em certos círculos urbanos, virou cult.

A biografia e o imbróglio
Roberto Carlos em Detalhes veio em seguida, em 2006, pela Editora Planeta. É uma biografia clássica, não autorizada, que rendeu muita dor de cabeça ao autor e alguns processos acordados e arquivados. Depois de ter tentado entrevistar Roberto Carlos durante quase 16 anos, Paulo Cesar e seus editores decidiram que era hora de publicar a biografia sem o aval do artista. No Roda Viva, o autor afirmou: “É importante dizer que ele nunca disse não. Porque ele nunca diz não. Ele apenas não diz sim. A resposta de seus empresários e secretários era basicamente a mesma: ‘Roberto está viajando. Roberto está gravando. Roberto está rezando’”.

No mesmo programa, Paulo Cesar contou: “Lembro que, quando o livro foi para a gráfica, eu disse: ‘Bem, até aqui Roberto não me ajudou. Espero que não me atrapalhe’. Mas não foi o que aconteceu. O livro foi lançado no dia 2 de dezembro de 2006. Em janeiro, ele entrou com duas ações contra mim e a editora na Justiça. Uma na área cível e outra na área criminal. Na cívil, pedindo, inicialmente, R$ 500 mil por dia (como multa pela circulação do livro) e a proibição e apreensão do livro. E na criminal pedindo, além da proibição e da apreensão do livro, a minha prisão por um tempo superior a dois anos. Ou seja, quando Roberto fez aquela música Eu Sou Terrível, ele não estava brincando”.

Paulo Cesar não se arrepende de nada. Seu objetivo era explicar o fenômeno Roberto Carlos para o Brasil porque, além de ele ser um dos grandes artistas da música popular, influenciou o comportamento de milhões de pessoas, sendo figura central no surgimento da cultura de massas do País. E foi o que ele fez.

Gostos à parte, não se pode negar que as canções de Roberto pertencem à memória afetiva dos brasileiros e à história da música popular. “Para o bem e para o mal”, completa o autor. Segundo ele, até o lançamento do livro não havia nenhum estudo sobre esse fenômeno. “As elites culturais sempre viraram as costas para Roberto Carlos. Ele era tratado como algo menor, desimportante. E isso me parecia um equívoco. Não me preocupei com a reação dele. Meu compromisso era com a História. Identifiquei uma lacuna na historiografia. Se ele iria gostar, se não, se ficaria incomodado… Não podia me preocupar com isso.”

Roberto Carlos em Detalhes segue proibido. Mais de dez mil exemplares foram retirados de circulação e permanecem em um depósito em São Paulo sob a guarda de Roberto Carlos – no mercado informal ou em sebos, um exemplar pode custar entre R$ 200 e R$ 1.500. É um livro robusto que chegou às livrarias fazendo alarde. Com texto em letras grandes e fartamente ilustrado com fotografias, tem aparência de almanaque. Porém, ao contrário do que muitos poderiam pensar em virtude da palavra “detalhes” que integra o título, o autor não trata só fatos da vida pessoal de Roberto. Não é um livro sensacionalista nem de fofocas.

Os detalhes, segundo Paulo Cesar, referem-se a seus discos, às histórias da criação e da gravação das canções que encantam multidões, às suas parcerias e amizades com outros artistas, à sua trajetória profissional e a seu sucesso. No livro, o autor conta detalhes da Jovem Guarda, da qual Roberto foi protagonista, do Tropicalismo, que ele influenciou, da Bossa Nova, pela qual foi influenciado. Ou seja, segundo o autor, a história de Roberto Carlos tem papel de fio condutor para um livro que traça um panorama da música popular brasileira. Mas, é claro, completa ele, “esses detalhes referem-se também às relações entre a vida e a obra do cantor, uma vez que é impossível separar uma da outra, especialmente no caso de Roberto Carlos. Basta ouvir com atenção o teor de suas canções. Ele é um autor biográfico. Suas canções falam dos fatos, dos sentimentos e das pessoas de sua vida”.

Desde que se viu envolvido no imbróglio da proibição do livro, Paulo Cesar reclama ter ouvido algumas vezes que Roberto Carlos em Detalhes é um livro de fã. Jornalistas, críticos, escritores, pesquisadores, advogados, juristas e outros fãs repetem isso às vezes como argumento para a sua defesa. Talvez, nem todos tenham lido o livro com atenção.

“Dificilmente alguém vai escrever sobre um assunto, um artista ou personagem que não admire. Por isso, a maior parte dos livros biográficos traz sempre uma visão positiva. Não nego que sou fã de Roberto. Posso dizer, porém, que meu livro é de historiador que tem visão favorável a ele e mostra como e por que ele é um artista maior dentro da constelação da música brasileira. Faço a defesa da importância de Roberto Carlos como artista. Acho engraçado perceber que, entre críticos e jornalistas, elogiar Chico Buarque é natural, um dado da natureza. Mas elogiar Roberto Carlos é coisa de fã.”

Paulo Cesar salienta que Roberto Carlos em Detalhes é um trabalho sistemático de investigação científica, que utilizou metodologia de história oral e pesquisa bibliográfica, com centenas de entrevistas gravadas em áudio ou vídeo, e poderia ter sido objeto de tese de doutoramento, o que ele se arrepende de não ter feito. “A minha tese é a seguinte: o sucesso de Roberto Carlos deve-se a seu repertório, às canções que ele fez sozinho ou com parceiros. Ele não é apenas um bom cantor, uma boa voz. Eu concluo que isso é tão significativo que ele praticamente criou um subgênero dentro da música, que é ‘a canção do Roberto’.” Ou seja, aquilo que, em 1968, Caetano Veloso chamou de “aquela canção do Roberto”, em Baby. “Roberto Carlos é importante. Ele é o que é, da mesma forma que Tom Jobim é Tom Jobim ou que os Beatles são os Beatles. Roberto é Roberto porque criou um repertório de canções de sucesso, é grande cancionista, além de excelente cantor.”

Há apenas algo a lamentar, segundo Paulo Cesar: não ter sido possível realizar uma entrevista exclusiva com Roberto Carlos. Porém, as informações e os fatos de sua vida publicados no livro foram obtidos por meio de declarações feitas pelo próprio Roberto em entrevistas divulgadas na imprensa e inseridas a partir da análise das letras de suas canções – todas as citações têm indicações de fontes, sejam elas primárias ou secundárias.

Na TV Cultura, Paulo Cesar afirmou: “É preciso ficar claro que não existe biografia sem vida pessoal. Biografia é a história de uma vida, que vai contextualizar e relacionar as dimensões pública e privada, a vida e a obra. Especificamente no caso do meu livro, quero dizer o seguinte: é zero invasão de privacidade, não é meio, não é um. É zero! Por quê? Porque todos os fatos da vida pessoal de Roberto que estão ali relatados, sem exceção, já eram fatos públicos”. Como veredito, ele costuma dizer que seu caso com Roberto Carlos é de amor não correspondido e a música que explica isso é aquela que diz “sua estupidez não lhe deixa ver, que eu te amo…”, um dos maiores sucessos do artista.

Em exposição
Todo o processo jurídico e midiático que envolveu Paulo Cesar e a proibição de Roberto Carlos em Detalhes deu origem a seu terceiro livro: O Réu e o Rei – Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes (Companhia das Letras, 2014). O livro narra os encontros e desencontros do autor com os artistas que estudou, percorrendo os caminhos trilhados para alcançar seus objetivos. Mas a maior parte do texto trata de contextualizar os fatos que precederam a proibição do livro, desde o início do interesse do autor pelo tema. Por fim, disseca os bastidores da batalha judicial e do debate público que se seguiu ao processo. Explica ainda, em detalhes jurídicos e factuais, os desdobramentos da luta do autor pela liberação de seu texto.

“Esse livro não surgiu da minha vontade como pesquisador. Jamais pensei que o faria, que falaria da história dos meus pais em um livro. Mas ele fecha uma trilogia. O conjunto pode ser visto como a história de um brasileiro e da sua relação afetiva com a música romântica popular e o contraste com as opiniões da crítica especializada.” Ou seja, O Réu e o Rei tem caráter confessional, mas não foi planejado ou desejado. Tornou-se necessário como um registro completo do caso em que o autor foi envolvido sem querer. Advogado de si mesmo, em sua narrativa, Paulo Cesar faz bem mais do que defender sua causa. Defende também a liberdade de expressão, de criação e de existência de um gênero: a biografia. Por extensão, o perfil jornalístico. “O que está em jogo é o direito à informação e diz respeito a toda sociedade, não apenas ao meu direito de escrever. É o direito da sociedade de ter acesso ao conhecimento e à informação. Eu sou pelo enfrentamento, principalmente porque sigo a Constituição Cidadã de 1988, que diz ali em seu artigo quinto, bem claro: ‘É livre a manifestação intelectual, artística, científica, jornalística, independentemente de censura ou licença (…)’. Sou a favor da liberdade de expressão.”

Apesar de inúmeras e importantes biografias de personalidades públicas de grande qualidade literária, o Brasil não tem tradição na produção de diferentes versões de biografias não autorizadas de um mesmo personagem. Paulo Cesar sabe disso. Na TV Cultura, ele disse: “São mais de 40 mil biografias já publicadas sobre John Kennedy. Quase dez mil livros sobre os Beatles. Sobre Elvis Presley são milhares. Livrarias na Argentina só vendem livros sobre Carlos Gardel. Aqui, estamos brigando por causa de uma única biografia não autorizada. É uma pobreza, uma miséria cultural”.

Homem ou personagem
A frase que melhor expressa o sentimento do autor durante um encontro com Roberto Carlos no tribunal está no livro e também ajuda a entender como é tênue a fronteira entre o que o artista considera bom para se tornar público e o que deseja manter privado: “Sim. O Roberto Carlos que eu vi lá dentro (do tribunal) era o homem. O que saiu acenando e sorrindo para o público já era o personagem”.

Certamente, foi uma experiência dolorosa para Paulo Cesar encarar o homem Roberto Carlos naquela circunstância, uma decepção dupla e simultânea com o ídolo e objeto de estudo. Fã ou pesquisador, foi um choque se deparar com a pessoa sem o véu e a máscara pública que cobria o personagem.

“Até eu dar o ponto final, aquele homem que me processou ainda não tinha se revelado, embora o Roberto censor já tivesse aparecido em outras ocasiões. Acho que a reação dele, surpreendentemente truculenta e contrária ao livro, modifica e complementa a sua própria biografia. É um risco, é o que pode acontecer quando se publica a biografia de um personagem vivo: enquanto o sujeito viver, pode haver uma reviravolta. No meu caso, um novo Roberto Carlos foi revelado depois do processo. Em todos os meus pesadelos, jamais poderia esperar reação tão truculenta. Talvez ele tenha se surpreendido com a reação que teve.”

Fora de controle
Quem lê os relatos detalhados do processo em O Réu e o Rei tem a impressão de que a vontade de Roberto e seus advogados era simplesmente apagar a existência de Roberto Carlos em Detalhes. Talvez, tal comportamento seja compreensível, considerando que, desde os tempos da Jovem Guarda, ele tenha se acostumado a ter controle sobre tudo o que o envolve. E o conteúdo do livro certamente fugiu de seu controle.

“Conheço as limitações e as contradições de Roberto. Entendo também que ele não tem intimidade com a leitura, com o objeto livro, ele já declarou isso. Nada disso foi impedimento para que ele desenvolvesse seus talentos e obtivesse sucesso. Mas, nesse caso, ele demonstrou não ter noção do valor da leitura e dos livros. Junte-se a isso o fato de ele sofrer de TOC, o chamado Transtorno Obsessivo Compulsivo, o que é público. A gente não tem ideia do que pode ter passado pela cabeça dele quando viu o livro. Pode ter sido algo totalmente inusitado, como o número de páginas ou a soma dos algarismos do dia, mês e ano de sua publicação. Não sabemos. Além de tudo, tem o famoso livro autobiográfico que ele está escrevendo há décadas.”

Paulo Cesar lamenta o que aconteceu. “É o sentimento que tenho. Na ocasião, fiquei mal por toda a circunstância, não me conformava que aquilo estivesse acontecendo em pleno século 21. Também fiquei indignado ao perceber como a popularidade e o dinheiro de Roberto foram eficientes para que as coisas acontecessem do jeito que ele queria.”

Por outro lado, o autor afirma estar calejado com adversidades. “Acho que o me deu forças foi o fato de estar acostumado a lutar desde menino. Minha vida sempre foi viver nesse limite, sempre foi uma luta para sobreviver, para estudar, passar no vestibular, pagar as contas… Outra coisa que me ajudou a não desistir de brigar pelos meus direitos foi a repercussão que o caso teve e o apoio que tive desde o início. Eu me senti acolhido.”

E ele revela que o pior momento de todo o processo foi a viagem de São Paulo para o Rio, depois da audiência. “Saí do Fórum e fui direto para a rodoviária pegar o ônibus da meia-noite. Quando apagou a luz e o ônibus entrou na Dutra, foi o momento mais difícil. Ainda não estava claro, para mim, o que iria acontecer no dia seguinte. Era o vazio, o vácuo. Acabou. Assunto encerrado. Caso perdido. Livro proibido. Fim. Não dormi nem um minuto naquelas seis horas de viagem. Não sabia se haveria alguma repercussão, nada. No silêncio da noite, sem comunicação com o mundo, estava sozinho no ônibus. Foi essa a sensação que tive: solidão absoluta. Mas logo tudo mudou, depois de Paulo Coelho publicar na Folha de S. Paulo um artigo em minha defesa, contra a proibição do livro. A sensação que tive foi de que abri a janela e vi o Sol. Percebi que não estava mais só.”


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