Cult tupiniquim

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A pornochanchada não morreu. Apenas mudou de rótulo. A afirmação é do ator, diretor e produtor Carlo Mossy (foto ao lado), um dos mais importantes nomes do gênero que, nas décadas de 1970 e 1980, levava milhões de brasileiros aos cinemas para verem filmes com pitadas de erotismo – mulheres belíssimas com seios à mostra e situações de humor picante, com adultério, traição e leves perversões. Ele cita os filmes recentes Se Eu Fosse Você 1 e 2 e De Pernas Para o Ar 1 e 2 como exemplos que o gênero se mantém porque está enraizado na cultura e na “alma” do brasileiro o gosto pela libertinagem. “Os diretores desses filmes morrem de medo de serem chamados de pornochanchadeiros, mas como defini-los de outra forma”, diverte-se, antes de desdenhar da crítica que trucidava seus filmes sem ao menos vê-los. Uma tradição que tomou as novelas da Rede Globo faz tempo. “Creio que 70% do que se vê no horário nobre vem do que a gente fazia, mas nunca levamos os créditos”, ri o cineasta.

Mossy gosta mais do termo comédia erótica, “que os italianos faziam com muito sucesso no Brasil na década de 1960, nós roubamos e passamos a criar aqui”, diz. Ele produziu, dirigiu, escreveu e protagonizou 22 longas-metragens. Desses, cinco estão sendo lançados em DVD numa bela caixa pelo selo Canal Brasil. São dois dramas temperados de sensualidade: O Sequestro e Odio. E três, legítimos representantes da era de ouro das pornochanchadas: Como é Boa nossa Empregada (1972), Essa Gostosa Brincadeira a Dois (1973) e Giselle (1982). Quem gosta de cinema não deve pensar duas vezes em ver todos. Mais de três décadas depois, os filmes de Mossy surpreendem pela qualidade acima da média, inclusive do que se faz na produção nacional. Os roteiros raramente apresentam falhas, as interpretações são boas e nota-se um cuidado na edição e no uso da trilha sonora.

 Além de dirigir bem, Mossy – que nasceu em Israel e veio com 4 anos de idade para o Brasil – é um excelente ator, versátil em diferentes papeis, além de ousado, subversivo e corajoso – em Giselle, por exemplo, ele faz um tórrido beijo homossexual com impressionante naturalidade, quando, na época, iniciativas assim podiam comprometer qualquer reputação, mesmo em nome da arte. Mais um drama que comédia, Giselle no realizado em 1982, no momento em que o cinema pornô começava a tomar o lugar da pornochanchada. Daí a cenas ousadas, embora sem sexo explícito. O próprio Mossy revela que a idéia era fazer uma versão feminina e brasileira de Teorema, de Pasolini, filme que escandalizou o mundo na década de 1960, ao mostrar um jovem que se envolve com uma família burguesa e, literalmente, faz sexo com todos os componentes, da ambos os sexos. Nada parecido com o ingênuo Como é Boa Nossa Empregada, dividido em três episódios – “Lula e a Copeira”, “O Terror das Empregadas” e “O Melhor da Festa” – traz histórias onde os protagonistas saem à conquista das empregadas domésticas que trabalham na casa.  Na mesma linha, “Essa Gostosa Brincadeira a Dois”, só que com algum drama: Beth rompe as relações com a mãe e vai morar com Carlos, rapaz inseguro e instável que vive sem trabalho. Ao entrarem como penetras em uma festa, Beth conhece Claudio que a convida para ser atriz. mossy-CBR053_ESSA_GOSTOSA_BRINCADEIRA_A_DOIS

O policial Ódio destaca o talento de ator de Mossy, em um policial que remete à série americana Desejo de Matar, com Charles Bronson, numa releitura suburbana carioca. Ele faz Roberto um recém-formado advogado que, ao visitar a família, no interior, é surpreendido por uma tragédia: seu pai, sua mãe e sua irmã – além da empregada da casa – são feitos reféns, torturados e mortos por funcionários da fazenda onde viviam e trabalhavam. Para azar dos bandidos, Roberto é o único sobrevivente da chacina; após longo período internado, ele se recupera e passa a ter como único objetivo vingar a morte das pessoas que amava.  O Sequestro (1981) é a adaptação do livro homônimo de José Louzeiro e Valério Meinel, dois dos maiores repórteres policiais brasileiros, sobe um crime que parou o Brasil e que, aparentemente, jamais foi solucionado: o desaparecimento do garoto Carlinhos, de 10 anos, em 1973, no subúrbio do Rio. Ele jamais foi encontrado e seu paradeiro virou lenda urbana.

Mas Louzeiro e Meinel solucionaram o crime: o seqüestro foi forjado pelo pai do menino, que passava por dificuldades financeiras e viu nessa idéia uma forma de recomeçar a vida. O pequeno empresário se dizia traído pela mulher, que chamava de ninfomaníaca, e achava que Carlinhos não era seu filho. Uma campanha na TV arrecadou o dinheiro do resgate, mas um delegado descobriu tudo e o forçou a dividir com ele o dinheiro. Um subdelegado pressionou o colega, que enfartou e lhe deixou o dinheiro. Carlinhos – rebatizado de Zezinho no filme por questões legais – estava escondido na casa de um mecânico e foi morto como queima de arquivo. “Meu filme é atualíssimo porque dá ênfase à corrupção policial que já era forte na época”, observa Mossy. Impressionante o desempenho dos atores Jorge Dórea, como delegado corrupto, e Milton Moraes.

Antes de assumir a posição de um dos nomes mais importantes do Beco da Fome – área da Cinelândia, no Rio, onde se fazia pornochanchada – Mossy fez sua estreia como ator em “Copacabana Me Engana”, de 1968. Agora, celebra o revival nos últimos anos, inclusive dentro da programação do Canal Brasil.

 


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