A corrida rotina da redação da Rádio Bandeirantes sempre se torna mais leve às cinco da tarde, quando os radialistas Lélio Teixeira, 56 anos, e Beto Hora, 51, além do publicitário José Paulo da Glória, também 51, surgem pelo único corredor da rádio contando piadas em voz alta, rindo de derrotas alheias dos times de futebol de São Paulo e imitando personalidades em situações pitorescas. A descontração dura quase uma hora, quando, juntos, eles entram no estúdio para comandar ao vivo o Na Geral, existente há 14 anos, dez deles no mesmo dial e horário: das seis da tarde às oito da noite nos 90.9 FM e 840 AM da Bandeirantes. A reportagem de Brasileiros acompanhou o trio durante uma semana do último mês de maio, tempo suficiente para descobrir o motivo de o programa estar entre os líderes de audiência para o horário.
O formato do programa segue o padrão de grande parte das outras rádios paulistanas, com boletins diários dos quatro clubes da cidade, interação com ouvintes e, principalmente, “personagens” que surgem de acordo com o cotidiano das pessoas, como o ex-presidente Lula, o apresentador Sílvio Santos e o técnico de futebol, Vanderlei Luxemburgo. A diferença do Na Geral, porém, não está nas imitações clássicas, ainda que presentes, mas a forma como elas dialogam com criações da longa carreira de Beto Hora. “A maior parte das vozes que os ouvintes do programa ouvem são de personagens que conheci pessoalmente e quis homenagear de alguma forma”, conta ele.
É o caso da dona Inês, uma antiga copeira da rádio Jovem Pan que chamou a atenção de Beto pela timidez e pelo jeito engraçado de falar, tornando-se uma de suas principais homenageadas. Dona Inês não respeita assentos nas palavras, tem uma risada gostosa e fica brava quando não entende uma pergunta, momento em que diz um dos seus bordões: “Sai abusado”. Mas é quando faz propagandas que a dona Inês arranca gargalhadas até dos operadores de mesa e dos convidados do estúdio, lendo os textos publicitários sem pontuação e pronunciando o nome das empresas como se nunca os tivesse ouvido falar.
No dia a dia de Beto e dos ouvintes do Na Geral ainda existem o seu Geraldo, um irritado baiano de Nazaré das Farinhas, que é, na verdade, uma imitação do escritor Ariano Suassuna e, ao mesmo tempo, uma brincadeira com o ex-jogador Vampeta, nascido no município baiano; o seu Charuto, um velho palmeirense do bairro do Bexiga, reduto italiano em São Paulo, imitação do corintiano Adoniran Barbosa; e o Vila, um rapaz desempregado que abusa das gírias da periferia paulistana e motiva os ouvintes que participam do programa a pedi-lo para gritar seu xingamento tradicional: “Você é um vagabundo, rapaz”. Lélio Teixeira lembra, gargalhando, da história que motivou Beto a criá-lo: “O Vila é um falecido primo do Beto Hora que morava na Vila Maria (zona norte da cidade). Um dia ele estava andando com um amigo dele, chamado Walter, que estava usando uma camiseta com a bandeira do Brasil, pelas ruas do bairro, quando foram parados pela polícia e levados para a delegacia por causa da camiseta. Quando chegaram lá, apanharam dos policiais até a hora do depoimento. Então, eles entraram na sala e o delegado falou para o Walter: ‘Como você pode usar a bandeira do seu país como uma roupa? Que falta de respeito! A bandeira representa a pátria e a pátria é a sua mãe, rapaz!’. E o Vila quietinho, só ouvindo a bronca. Daí o delegado virou para ele e disse: ‘E você, o que você acha do seu amigo usar a bandeira da nossa pátria, nossa mãe, na camiseta?’, e o Vila respondeu na mesma hora: ‘Não sei de nada. Essa aí é a mãe dele, seu delegado, o que significa que ela é a minha tia’”, conta.
Apesar do vasto cardápio de personagens, foi com Pelé, um dos tipos mais imitados pelos humoristas brasileiros, que o Na Geral tornou-se o programa preferido do Rei do Futebol e teve a lembrança mais marcante para eles e os ouvintes. Pelé não os conhecia quando, numa noite de 2004, foi pego de surpresa pelas recomendações que a sua mãe, Maria Celeste, lhe fez em uma de suas visitas a Santos: parar de “falar besteira no rádio”. Confuso, Pelé pensou que a mãe estivesse confusa, por estar ouvindo sua voz em que, supostamente, ela não exista, e revelou sua preocupação a José Fornos, conhecido como Pepito, principal assessor do Rei. As reclamações de Maria Celeste prosseguiram, e Pelé resolveu agir, mandando Pepito descobrir como a mãe estava ouvindo sua voz na rádio. “Pepito percebeu logo que, na verdade, era Beto Hora que estava imitando Pelé no Na Geral, e contou para o Pelé, que ficou louco de felicidade, porque aquilo significava que a mãe dele não estava louca”, conta Lélio Teixeira, rindo.
O que aconteceu a seguir foi ainda mais lendário: Pelé apareceu num dia qualquer daquele mesmo ano no estúdio da rádio, sem avisar ninguém, com o propósito de parabenizar Beto Hora pela perfeição da imitação. “Foi uma loucura porque o pessoal da TV descobriu e encheu a redação de câmeras, luzes, microfones, e ele disse: ‘Não vou dar entrevista para ninguém. Só vim falar com o Beto, entende?’”, conta o próprio, claro, imitando o Rei. Daquele dia em diante criou-se uma forte amizade entre Pelé e os três, tanto que até o ano passado a vinheta de abertura do programa era o próprio Pelé cantando a música É festa na geral, composição própria em que dizia que, falando bem ou mal, ele queria ouvir sempre a opinião da “turma do Na geral”.
Apesar dos encontros e desencontros com Pelé, Lélio Teixeira gosta mesmo de outra história, não tão engraçada, mas que mostra o alcance que o programa tem. O fato aconteceu em 2010. “Minha mulher me ligou chorando, dizendo que estava sendo sequestrada e eu precisava mandar um ‘salve para a galera de Guarulhos’ para os bandidos a deixarem ir embora. Fiquei em choque, mas peguei o microfone e saudei o pessoal de Guarulhos. Os caras saíram correndo e deixaram tudo com ela, gritando: ‘O Lélio é marido dela, o Lélio é marido dela’”, relembra.
Em uma cidade em que, assim como a redação da Rádio Bandeirantes, há uma confusa rotina, torna-se quase uma necessidade termos algo para nos alegrar. “É um prazer perceber que a gente consegue fazer as pessoas rirem mesmo no estresse da nossa vida”, finaliza Beto.
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