A ex-modelo, atriz e jurada de programas de calouros, Elke Maravilha, (Grunnupp por parte de pai), que nos deixou nesta terça-feira, aos 71 anos, na Clínica de Saúde Pinheiro Machado, onde se recuperava de uma operação de úlcera, já marcava presença nas telas das TVs brasileiras com seu estilo exuberante e exótico, quando na manhã do dia 27 de fevereiro de 1972, tentava embarcar para São Paulo, onde cumpriria agenda num programa de entrevistas. Ao entrar no saguão do aeroporto do Galeão, e se deparar com a foto do amigo, ex-remador do Flamengo e ex-estudante de Economia da UFRJ, Stuart Edgard Angel Jones, avançou sobre os cartazes com a tarja de “procurado” colados pelas paredes, e os estraçalhou.
A atitude, pouco usual naquela mulher de gestos calmos e fala mansa, sempre com trajes espalhafatosos e botas altíssimas – o que tornava ainda mais marcante o seu porte de modelo -, chamou a atenção de policiais, que circulavam por toda parte. Elke estava em companhia da colunista Hildegard Angel, irmã de Stuart, naquela época já tido como “desaparecido”, pois havia sido morto em maio de 1971, pelo aparato repressivo do Centro de Informações da Aeronáutica – CISA. Confusa, em pânico, Hilde conseguiu passar desapercebida, se enfiando no meio dos curiosos que logo cercaram a cena. Ainda hoje, treme só de pensar que, caso fosse pega junto com Elke, provavelmente teria tomado o mesmo rumo do irmão, ou seja, ignorado. E, também, de indignação, por recordar que, ele já morto, o aparato policial teimava em manter a farsa de procurá-lo.
Durante as minhas pesquisas na condição de jornalista/pesquisadora da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, localizei no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) um documento da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) – temida por se encarregar dos presos políticos e suspeitos de atentar contra a segurança Nacional – que diz que ela foi inquirida pelo delegado Kalil Chueri e teve o seu depoimento assentado no livro Par nº 21, sob o número 219/72. A ocorrência foi descrita assim:
“Às 10h45, compareceram a esta dependência policial o Agente de Polícia Federal, Luiz Camilo, lotado no Galeão, no serviço de revista de passageiros, e o PM Antônio Augusto Moreira, lotado no 5º BPM, ali de serviço, apresentando Elke Buremidis, alemã, casada, manequim, residente na Rua General Ribeiro da Costa, nº 230 – cob. 1103, no Leme, pelo fato da mesma, cerca das 9h15 de hoje, enquanto aguardava o avião que a conduziria a São Paulo, num gesto que não soube explicar, rasgou de um dos cartazes de terroristas expostos no saguão de passageiros, a foto do terrorista Stuart Edgard Angel Jones (Paulo Maurício).”
Esses eram os codinomes usados por Stuart, um jovem que deixou o conforto da vida de classe média em Ipanema, para lutar pelo fim da ditadura, causa pela qual acabou morto de forma bárbara, na base aérea do Galeão. Local bem próximo onde Elke protagonizara a cena registrada no boletim de ocorrência do DOPS.
Vê-lo apontado como um terrorista e marginal, provocou a revolta de Elke. Ela havia ficado amiga de Stuart quando frequentava a casa da estilista Zuzu Angel, na época uma famosa estilista, para quem costumava desfilar, e mãe de Stuart e Hilde.
Elke Grunnupp nasceu na Rússia, em 1945. Chegou ao Brasil ainda criança com os pais, para morar em Minas Gerais. Começou a trabalhar como modelo e manequim aos 24 anos. Ao se apresentar como modelo, num pequeno desfile na “Discoteca do Chacrinha”, chamou a atenção do velho guerreiro, por seu carisma, e pelo seu tipo físico. Logo ele a convidou para participar do júri que avaliava os calouros, onde se destacava pela irreverência. Depois fez novelas, filmes e peças.
Pela atitude no Galeão, foi encaminhada ao “Depósito de Presas São Judas Tadeu, (presídio feminino, localizado na Zona Oeste, no Rio), por desacato. Elke permaneceu detida durante seis dias.
Foi também secretária, bibliotecária, bancária, professora e tradutora. Um dos seus últimos trabalhos na televisão foi uma participação no quadro “O Grande Plano”, do Fantástico, em dezembro do ano passado.
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