Em compasso de grupo

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Os integrantes das oito bandas que formam o coletivo/ Foto: Letícia Moreira

“Os músicos independentes, todos sozinhos, são muito ‘minis’, né? Então, agrupar fortalece… Dá um grau.” É o que diz Martim Bernardes, 23, cantor e guitarrista d’O Terno, uma das oito jovens bandas paulistanas que integram o recém-formado selo e coletivo RISCO. Com a ideia de lançar discos em vinil, fomentar a divulgação dos trabalhos, organizar shows conjuntos e promover trocas artísticas, o RISCO mostra que o caminho da união e da troca pode ser mais produtivo e enriquecedor para as bandas  que o da concorrência e da competição. Especialmente para artistas independentes e em começo de carreira, como são O Terno, Memórias de um Caramujo, Grand Bazaar, Mojo Workers, Noite Torta, Charlie e Os Marretas, Luiza Lian e Caio Falcão e o Bando, grupos que, com as mais variadas propostas musicais, se reúnem agora em um coletivo.

“O RISCO surgiu a partir de bandas e amigos que já tocavam juntos em diversos projetos e sempre quiseram se unir em uma casa. Essa casa surgiu quando o Gui, nosso parceiro, abriu o Estúdio Canoa, onde boa parte de nós gravou ou vai gravar seus discos”, diz o cantor e guitarrista André Vac, 25, membro de três dos grupos do coletivo. O produtor musical e técnico Gui Jesus Toledo, 27 (na foto acima, sentado no tablado), a quem Vac se refere, foi quem encabeçou e estimulou os primeiros passos do coletivo em 2013. A princípio, ao lado do baixista Guilherme Giraldi (dos Marretas), começou a articular com as bandas o lançamento dos vinis, aproveitando um contexto em que as bolachas voltam a ter força no mercado. Mas logo percebeu, no convívio com os músicos, que a coisa podia ir além.

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Os integrantes da banda na casa que abriga o estúdio Canoa/ Foto: Letícia Moreira

Formado em Publicidade – apesar de não exercer a profissão – e interessado nos novos modelos de produção e divulgação de música, Toledo não demorou a propor para que as bandas ajudassem umas às outras na promoção dos trabalhos. Em tempos de novas mídias, em que raramente os grupos almejam fechar algum tipo de contrato com gravadoras – até mesmo pela liberdade artística que buscam –, por que não jogar em time? “A gente viveu a decadência da indústria fonográfica e caminha para algo que ainda não sabemos bem o que é, o que vai ser…”, diz ele. Para além das questões de produção e mercado, Giraldi, 27, ressalta também o papel que o coletivo pode ter na busca por maior respeito aos músicos: “Anos atrás, quando estávamos na faculdade, me lembro de já termos essa conversa. A gente sempre se ferrava, tocava por 20% de bilheteria, em lugares em que o contratante não dava nem água… E a gente pensava em como se articular politicamente para conseguir lugares com som melhor, cachê melhor, um tratamento mais bacana”.

São esses objetivos, a união em torno do estúdio (que fica nos fundos da casa onde moram alguns membros do coletivo, na zona oeste de São Paulo) e uma admiração mútua – muito mais do que propostas musicais semelhantes – que unem as bandas. Longe de formarem algo como um movimento artístico ou estético, portanto, os grupos se aproximam principalmente no jeito de fazer música, basicamente autoral e com liberdade de experimentação, no qual não há “certo e errado”, como explica Giraldi. E se os gêneros tocados são os mais variados – do rock à MPB, do funk à música cigana –, isso não significa que não há espaço para trocas artísticas. “Por exemplo, a Luiza estava gravando no estúdio, enquanto Os Marretas estavam em reunião na sala. Aí, eles iam lá ouvir e já davam um pitaco, uma sugestão…”, conta o baixista.

Os integrantes das bandas/ Foto: Letícia Moreira
Os membros do RISCO/ Foto: Letícia Moreira

Novíssimos paulistas

“Os trabalhos são bem variados, mas dentro das próprias bandas já têm muitos sons diferentes. Então, a coisa é toda bem eclética”, diz Bernardes. A diversidade parece refletir bem o espírito de uma geração de músicos com ouvidos abertos e poucos preconceitos, aparentemente menos segregada em nichos fechados do que gerações anteriores. “Afinal, todo mundo cresceu ouvindo iPod shuffle. Não sei quantos mil gigas no shuffle. É a geração shuffle louca”, brinca o vocalista. Uma geração já mais nova do que aquela chamada, há cerca de cinco anos, de “novos paulistas”, apelido que se referia a nomes como Tulipa Ruiz, Tatá Aeroplano, Thiago Pethit, Dudu Tsuda e Tiê, entre outros – todos hoje na casa dos 30 anos, com carreiras mais estabelecidas. 

“Já é outra leva, com outros referenciais, outra idade. Claro que têm semelhanças, somos próximos, mas é diferente”, diz Giraldi. E os novíssimos paulistas, se assim podemos chamar, não estão apenas no RISCO, mas são, na verdade, uma porção de bandas que pipocam pela cena independente da cidade. “É uma galera toda chegando. E o que eu vejo é que cada vez mais tem gente fazendo coisas distintas. E fazendo muito bem”, afirma Toledo. A maioria na faixa dos 20 anos, os músicos do coletivo reconhecem que tiveram caminhos abertos pela geração anterior, que também era unida. “Aquilo que, olhando de fora, parecia ser patota, eram as pessoas se articulando para fazer as coisas acontecerem. Porque era muito mais complicado do que é hoje, e acho que eles abriram portas significativas. Atingiram um patamar de reconhecimento que faz a gente acreditar mais.”

Tanto que o nome RISCO não surgiu da ideia de que fazer música autoral e independente é arriscado, como pode parecer. Surgiu simplesmente inspirado na imagem dos “riscos” de um vinil (que são as músicas prensadas em uma bolacha). “Sim, mas tem o risco que é fazer música hoje. Quando demos o nome, não era exatamente esse o mote, mas ele está bem embutido também…”, explica Toledo. E se é arriscado, por que não fazer coletivamente? “Você descobre uma banda boa hoje e pensa: ‘Que demais, quero fazer um show com os caras!’. Não é mais: ‘Fodeu, tem uma outra banda concorrente!’”, conclui Bernardes.


Comentários

Uma resposta para “Em compasso de grupo”

  1. Avatar de deborah de paula souza
    deborah de paula souza

    A matéria é ótima e as fotos adoráveis. Tenho idade para ser mãe deles, mas tive a sorte de ser convidada para ver o show dos caramujos e os vídeos do pessoal do Charles e os Marretas e também já vi Luiza Lian cantando.. São muito, muito talentosos e parece que não só na música. Existe um talento pessoal e político na possibilidade de articular um coletivo criativo e vital. A frase final — em que o desejo e a alegria desbancam a competição feroz — é um alento. Parabéns pela reportagem.

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