A força criativa da mulher é traduzida pelo ímpeto do escrever e pela qualidade e profundidade desses maravilhosos textos. Não à toa, mulher e maravilha compartilham fonemas, letras e sons, num imaginário poético alucinógeno de inveja aos drogados e prostituídos. Mas a freira é diferente, devotada à devoção, pouco deveria fazer além das orações, mas usa as subordinadas e as coordenadas para, além do terço, produzir textos. E premiados textos. Em tempos áridos e incertos, a ganhadora do Jabuti Maria Valéria Rezende mostrou que a boa escrita se faz com textos diretos. Um belo e inspirador exemplo.
O UOL titubeou e fez publicar no subtítulo da chamada da notícia correspondente – talvez o estagiário do fim de semana cochilou, já sonolento ou entretido com suas duas mil músicas no Ipod – escritoura, um neologismo apropriado com um ditongo dissonante no meio da palavra, injustificável pela posição das letras no teclado, significativa pelo significado que agora dou, depois de ler a audácia da entrevista dessa mulher. Sim, antes de freira é mulher, inegável fato, consequência subvertida das palavras de Simone de Beauvoir, com o devido perdão, caso o feminismo não lhe seja afeito.
O tempo passa e nos deixa mais maduros e a serenidade para lidar com as adversidades deve florescer. Assim, procurando não ofender a crença alheia, é de ressaltar a inserção da palavra sacra na literatura. Poderia resgatar desde os escritos dos sermões do Padre Vieira, mas limito-me à produção feminina recente, resgatando outra freira, outra escritoura, outra fera: Irmã Olga de Sá, salesiana do Vale do Paraíba, membro fundadora da Academia de Letras de Lorena, escrevendo sobre e estudando Clarice Lispector. Um contraste, rico e prazeroso. Acho que foi por meio dessa amada e indecifrável escritora ucraniana de nascimento que passei a criar mais vínculos com a Irmã Olga.
Destaco a força muscular de alguém que enfrentou batalhas de existência e confirmação até porque é severo dizer-se esposa de Cristo em tempos nos quais a espiritualidade é refletida em materialidades que vão de dízimos a fortunas, de relicários a templos de ostentação, de exorcismo de pecados a guerras mundiais pelo terror. Quero concluir que o prêmio é mérito da mulher, não da freira, e assim acreditar, por que não?, uma vez que justificativas para a existência sem precisar do suor e labor do corpo buscamos todos. Encontramos tal alívio nos ofícios prazerosos, um deles o de escrever. Uns, como ela, profissionais com qualidade e reconhecimento. Outros, bem, outros como eu junto com quase todos, à busca de palavras que façam sentido, que mexam com algo ou alguém, enfim que se publiquem. No mundo virtual, voam mais alto, mas não há ventos de sustentação para elas, as palavras. Efêmeras palavras, que somem a um clique. O livro, eis que permanece, forte. Viva a freira escritoura!
*Adilson Roberto Gonçalves, 48 anos, é professor universitário e Vice-Presidente da Academia de Letras de Lorena.
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