Festival em Trancoso investe em educação musical

Há alguns anos, o estudante Samuel Egidio Santos, de 21 anos, mal sabia que numa manhã de domingo poderia estar na mesma sala que o flautista Benoit Fromanger, importante nome da música erudita atual. Eu, tampouco. Quando pergunto a Samuel o que aquele momento significa para ele, o sorriso já vem antes da resposta e um suspiro reticente parece dar mais dimensão do que as palavras. “É incrível… Só de estar na mesma sala que ele, a gente aprende muito. Eles mostram que também temos a mesma capacidade para sermos como eles”. E quando pergunto se há intenção de levar a carreira como músico adiante, Samuel não hesita: “Sim! Eu quero um dia estar na Filarmônica de Berlim!”, fala aos risos.

Samuel é um dos jovens alunos do Neojibá, projeto social de Salvador (BA) destinado à formação e incentivo de músicos, fundado e dirigido pelo maestro baiano Ricardo Castro. Além do Neojibá, outros estudantes de música de diferentes estados do país têm até o dia 22 de março, durante a programação do festival “Música em Trancoso”, a oportunidade de terem aulas com solistas consagrados internacionalmente.

Na mesma manhã de domingo, se do palco inferior do Anfiteatro Mozarteum a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo (OJESP) ensaia para a apresentação daquela noite, nas salas localizadas no prédio anexo é possível ouvir clarinetes, violoncelo e flauta, todos em solos únicos.

Em uma das salas o violoncelista austríaco Franz Bartolomey, sentado atrás de seu violoncelo, solta poucas palavras em inglês para comunicar-se com quatro alunos do Neojibá. “It’s a dead note, you know?”, “oh, oh, this is better!”. A comunicação entre Franz, o violoncelista que na noite anterior se apresentou ao lado da OJESP, e os alunos não se dá através do idioma. “Você é a tradutora?”, me pergunta uma das alunas quando chego à sala. Mas claramente eles não precisariam de uma tradução. Franz se faz entender pacientemente através de sorrisos. Se um tempo não está certo, ele demonstra com o instrumento e diz: “this… no. This is boring, ok?” (isso, não, isso é chato, ok?”), e logo projeta um sorriso triste, para baixo. Algo que arranca risos dos alunos.

As masterclasses são uma das propostas do “Música em Trancoso”, que tem forte vocação educacional. Segundo Sabine Lovatelli, presidente da instituição Mozarteum Brasileiro e uma das idealizadoras do “Música em Trancoso”, o conceito das masterclasses também tem como objetivo aproximar jovens músicos de músicos já consagrados para derrubar uma barreira.

“Muitas vezes existe essa barreira entre a música clássica e o público. E nós queríamos derrubá-la e acredito que conseguimos”, conta. Quando os solistas estrangeiros são convidados para se apresentarem no festival, eles também são ‘convocados’ a ministrarem as aulas. “É uma oportunidade única, que normalmente eles não teriam acesso. Esta parte educacional é muito importante, porque é também um instrumento de desenvolvimento pessoal deles, de serem independentes”, completa Sabine.

Entre as masterclasses também surge a oportunidade de descobrir novos talentos. Segundo Sabine, os solistas estrangeiros apontam os alunos que mais se destacaram e estes têm a possibilidade de ganhar uma bolsa de estudos. “No ano passado, encontramos uma menina aqui e hoje está estudando com bolsa na Alemanha”, revela.

Além das masterclasses, o “Música em Trancoso” também promove aulas de iniciação musical para alunos das escolas públicas, onde quem se tornam os professores são os jovens integrantes da Orquestra Sinfônica Juvenil da Bahia (Neojibá). Durante uma semana, jovens músicos como o flautista Samuel recebem uma importante missão: a de também inspirar novos e futuros talentos.


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